27 janeiro 2010

Os neogolpistas

Enfim terminou a ópera bufa de Honduras. Com a posse de Porfírio Lobo, o país deve voltar ao prumo e normalizar as relações comerciais com os seus vizinhos. É provavel que Zelaya deixe Honduras pela porta dos fundos, como convêm a um pretenso golpista. O colunista da Veja, Augusto Nunes, já havia previsto esse desfecho no texto "A tarde de janeiro em que Zelaya resolveu cair fora da pensão". Já posso até imaginar o qui pro có que isso irá gerar! Provavelmente Lula vai telefonar para os EUA e perguntar se a "Uáite Rause" vai mesmo reconhecer o pleito hondurenho que deu a vitória a Porfírio Lobo. Ao ouvir que sim, Lula vai soltar um "iú ar a san ófi a bítichi" que aprendeu com Celso Amorim e o ministro Marco Aurélio "Top Top" Garcia. Não será surpreendente se Lula proibir Barack Obama de chamá-lo de Cara e romper relações de vez com os EUA.

Fiz essa breve digressão para falar de um drama que assola toda o mundo moderno e que, parece, não vai ter fim tão cedo: o neogolpe. Antigamente, os ditadores eram mais sinceros. Ou acatavam a democracia ou lhe davam um pé no traseiro. Eram raros os que procuravam fingir alguma forma de simpatia pelo regime democrático. Quando ficavam com o saco cheio de eleições, acabavam com elas e pronto. Em muitos países africanos e asiáticos ainda é assim. Nos comunistas, também não há essa frescura de eleições livres (os comunas só apreciam a liberdade de escolha nos países onde ainda não estão no poder).

Hoje em dia, vemos a notável desfaçatez com que líderes da América Latina que nascem populistas avançam depressa para a tentativa de consolidar ditaduras: Chávez na Venezuela; Rafael Correa no Equador; Evo Morales na Bolívia... Zelaya, em Honduras. Mas não é um mal só deste continente. Vejam a Rússia (um país governado por um misto de nacionalismo soviético e capitalismo de mercado). Vladimir Putin, uma espécie de czar pós-moderno, manobrou o aparato democrático para lhe dar uma vitória que corresponde a nada menos de 80% da Duma (considerados dois partidecos que o apóiam).

Não podendo se reeleger como presidente, Putin organizou uma máquina eleitoral que garantiu a sua permanência no cargo de primeiro-ministro e lhe deu condições de "eleger" o seu substituto na Presidência. E assim, Medvedev chegou ao poder! A rigor, o czar pós-moderno da Rússia preparou o caminho para se eternizar no poder e fez isso sem disparar um tiro sequer. Os índicios de que houve fraude nas eleições russa foram tão escandalosos que na Chechênia, onde a população possui um ódio mortal dos sovietes, o partido do "czar" obteve uma maioria superior a 99% dos votos! É evidente que houve fraude, e das grossas. Mas quem se atreve a contestar o novo ditador?

Vivemos dias um tanto bárbaros. Os países nos quais a democracia está realmente consolidada e onde ninguém ousa questionar os seus princípios — EUA, Japão e aqueles antes chamados de Europa Ocidental — vivem as suas próprias crises: ou de ameaça de recessão (no caso dos EUA) ou de baixo crescimento (no caso dos outros) e, curiosamente, dependem da estabilidade desse mundo periférico. Há muito está combinado que não se vai cobrar democracia à China — este um caso escandaloso de ditadura. E também não se vai bulir com a Rússia.

Mesmo nos países antes sob a chamada influência americana, testam-se formulas particulares de democracia, como se o regime fosse uma obra aberta, que pudesse ir perdendo características essenciais sem, no entanto, jamais deixar de ser democracia. Chávez foi derrotado no referendo que decidiria a reforma constitucional venezuelana, mas isso não impediu que ele fizésse, por meio de um decreto, as alterações que julgava necessário na Constituição. Assim, o Simon Bolívar do século XXI, garantiu a sua permanência no poder por sabê-se lá quanto tempo.

Processos semelhantes ocorreram em países como Equador, Bolívia, Honduras e Nicarágua. Quer dizer, as coisas foram um pouco diferentes na Nicarágua. Lá o presidente eleito decidiu fazer uma leitura seletiva da Constituição e ordenou ao judiciário que apagasse um trecho que inviabilizava a sua reeleição. Não houve referendos e nem plebiscitos; houve apenas um ardil para escamotear o desejo de poder do governante local.

A principal característica dos novos ditadores é rejeitar os instrumentos a que recorriam as ditaduras. Ao contrário: precisam do concurso das urnas e do endosso das maiorias para construir suas tiranias. E nem se ocupam de incendiar o Reichstag ou de marchar sobre Roma. O seu trabalho consiste em ir desmoralizando as instituições e mudando-as um pouco por dia. Como diria Boris Casoy: "Isto é uma vergonha"!


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