Se não fossem os Estados Unidos, a hecatombe no Haiti teria tido consequências ainda mais devastadoras. Nenhum outro país teria condições de fazer tanto em tão pouco tempo. No dia seguinte ao terremoto, 1 000 soldados já seguiam para a capital, Porto Príncipe. Drenaram a pista do aeroporto e instalaram uma torre de controle improvisada, substituindo a danificada no desastre. Foi a medida mais importante para começar a resolver o maior desafio da ajuda humanitária ao Haiti: o gargalo logístico. O país ocupa metade de uma ilha, e a infraestrutura de transportes, já precária, literalmente desapareceu. Ao contrário do grande tsunami de 2004 na Ásia, que se espalhou pelas zonas costeiras de doze países, no Haiti foi tudo concentrado em Porto Príncipe e adjacências, que viraram uma espécie de porta-aviões avariado - com centenas e centenas de voos em volta.
A intervenção de emergência feita pelos americanos no aeroporto, que até o ano passado atendia no máximo a cinco voos internacionais diários, permitiu acomodar até 150 aeronaves por dia. Mesmo assim, centenas de aviões foram desviados para a vizinha República Dominicana. Os americanos enviaram ao todo 20 000 soldados para, na prática, assumir o coração da ajuda humanitária: desentupir as vias de acesso e distribuir comida - e também, pela intervenção extensa, prevenir um eventual êxodo pelo mar rumo à Flórida. A presença maciça mexeu com o ego de diplomatas brasileiros e europeus, fazendo aflorar o ranço do anti-americanismo patólogico. A certa altura, os americanos foram acusados de restringir o acesso ao aeroporto que eles mesmos colocaram em operação. Houve atrasos inexplicáveis e outras complicações desesperadoras, mas, se alguém estiver no meio de um desastre épico e puder escolher quem irá ajudar, vai preferir Barack Obama ou Hugo Chávez? A escolha é óbvia e apenas os militantes de esquerda, ansiosos por fazer de uma catástrofe natural um fato político sem precendentes, não percebem isso.
É preciso ressaltar que em questão de horas, os EUA mobilizaram mais recursos do que a ONU e o resto do mundo jamais conseguiriam mobilizar. Ainda assim, eles apanham por isso. Também apanhariam caso tivéssem cruzado os brazos e optado por não fazer nada. Apesar disso, alguns sites noticiaram que a presença dos EUA no Haiti, tem um caráter imperialista e neocolonialista. É óbvio que há um quê de delírio coletivo nessas notícias, de surrealismo. Isso evidencia o quão forte é o antiamericanismo, uma forma de recalque que explode na guerra ou na paz, estejam os EUA numa missão tipicamente militar — e o país estará sempre errado, claro — ou numa ação humanitária, como é o caso. O governo americano enviou 20 mil homens ao país devastado. As tropas da ONU, compostas por soldados de 19 países, incluindo o Brasil, somam hoje 9 mil. Depois de um grande esforço, as Nações Unidos aprovaram o envio de outros 3.500 (800 do Brasil), que vão se juntar aos 1.266 que lá estão.
A sugestão de que os americanos de comportam como "imperialistas" numa situação como essa é ridícula. O Brasil lidera as tropas da ONU, é verdade. Mas está preparado para assumir o comando de uma operação com essas dimensões? Quando falo em "preparo", não me refiro à formação desse ou daquele indivíduos. É uma questão de logística e de experiência firmada em ações em terra estrangeira. Não podemos nos esquecer que os norte-americanos lideraram o esforço pela reconstrução do Japão e da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial. E o Brasil? O que fez?
Devemos nos perguntar se realmente adianta mandar milhões de dólares para o Haiti? Afinal, aquele país vem recebendo ajuda humanitária há anos e, ainda assim, continua sendo pobre e malfazejo. Segundo Bret Stephens, do The Wall Street Journal, devíamos mandar somente o essencial para lidar com os problemas imediatos e, de resto, deixar os haitianos se virarem por conta própria. Sthepens raciocina a partir de um relatório do Banco Mundial que informa que toda a ajuda fornecida pela instituição ao país entre 1986 e 2002 não deu resultados satisfatórios devido à esbórnia que são as instituições no país. Baseia-se também na declaração de um economista queniano a Der Spiegel, segundo o qual "os países [africanos] que arrecadaram mais auxílio internacional para desenvolvimento econômico são os que revelam piores performances".
De 2004 para cá, o governo federal gastou quase R$ 400 milhões para financiar as operações em solo hatitiano. É bom o Brasil ter juízo e começar a atinar para os custos dessa empreitada. Afinal, a tarefa está se mostrando tão dispendiosa quanto uma guerra e não tem surtido efeito algum. Ademais, anotem aí: restaurada alguma normalidade, começarão os conflitos políticos , pois terremotos não matam velhas rivalidades. Temos condições para isso? Agora, tudo é solidariedade; os brasileiros estão engajados a exemplo do que acontece com o resto do mundo, mas será sempre assim? Convém devolver este debate à terra. Se o Brasil quer mesmo ser o grande protagonista da reconstrução do Haiti, estes R$ 375 milhões, saudados como uma enorme contribuição — e dadas as nossas condições, isso é verdade — são só o começo de um poço sem fundo. Mesmerizada pela tragédia, boa parte da imprensa se nega até a pensar em fazer as contas; parecieria coisa de gente mesquinha…
Ocorre que o nosso país também tem as suas próprias urgências e deveria se dar por satisfeito com o fato dos EUA terem se apressado em pôr a sua fantástica máquina de guerra a serviço da ajuda humanitária. E àqueles que reclamam que a ação está "excessivamente militarizada", uma pergunta: existe, no mundo, alguma organização civil capaz de fazer o que os militares americanos já estão fazendo lá? Os recalcados poderiam moderar o seu ódio. Se não por respeito à lógica, ao menos por respeito às vítimas. E convém os brasileiros começarem a pensar que a tarefa se estende muito além desse delírio de onipotência que toma conta do governo Lula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário