Em circunstâncias normais, este vídeo teria sido postado na sessão "vídeos" do blog. No entanto, ele comporta tantas reflexões que achei melhor postá-lo aqui mesmo. Não li absolutamente nada a respeito desse vídeo na chamada "grande imprensa" que, na média, cobre mal a crise na Venezuela. Trata-se de uma final de beisebol entre os times Caracas e Magallanes, de Valencia. O evento ocorreu no dia 24, desse mesmo mês, no Estádio Universitário, em Caracas. Um grupo de estudantes começa a gritar "1, 2, 3, Chávez tas ponchao", uma gíria que quer dizer "fora do jogo". A palavra de ordem tomou o estádio e foi repetida num coro de milhares de vozes. Esse grito foi intercalado com outro: "Sucio/ sucio/ sucio": "Sujo/ sujo/sujo". Uma manifestação semelhante já havia acontecido em Valencia, e a polícia desceu o sarrafo na população indgnada. No domingo, apesar da presença de policiais da tropa de choque (vê-se um deles no vídeo), nada pôde ser feito. Era impossível descer o porrete no estádio inteiro.
Imagens assim não podem mais ser exibidas na TV da Venezuela. Chávez tem o controle de 75% da radiodifusão. E o que resta de transmissão privada está subordinada a uma lei ditatorial, que dá ao tirano o poder de simplesmente retirar a emissora do ar, como fez na semana passada com seis TVs a cabo, inclusive a RCTV Internacional. A TV de sinal aberto do grupo já havia sido cassada. E Chávez pode alegar o que bem entender. No caso em particular, afirmou que elas desrespeitaram a lei quando se negaram a transmitir um discurso seu a militantes bolivarianos. Mas há também a possibilidade de acusá-las de incitamento à subversão. Em suma: o Bandoleiro de Caracas intervém quando e onde quiser.
Sufocados, levando porretada nas ruas, impedidos de se organizar institucionalmente, proibidos de se reunir em praça pública sem prévia autorização, os venezuelanos que discordam do governo encontraram uma maneira de informar ao mundo a sua luta por democracia: o jogo de beisebol. Os protestos são filmados e ganham o mundo. Também tem sido assim no Irã, onde a imprensa vive sob severa censura. Nesse caso, as novas tecnologias, como celulares, acabam sendo aliadas da democracia.
O governo Chávez está se deteriorando e o regime assume, cada vez mais, características de um ditadura militar — a despeito de todos os truques vagabundos por ele empregados para alegar que está no poder porque foi eleito. A infra-estrutura venezuelana entrou em colapso. O país enfrenta racionamento de água e de energia. Os mercados "estatais" estão com as gôndolas vazias e a população está estocando comida; a inflação, que já era alta, cresceu por causa da desvalorização da moeda; Chávez prossegue com suas nacionalizações, o que se tem traduzido por aumento da ineficiência; a indústria está desaparecendo, e a agricultura, na prática, acabou. Ele se sustenta com o assistencialismo agressivo que a receita do petróleo permite, o apoio de milícias armadas e o suporte, por enquanto ao menos, dos militares. Acuado pelo óbvio desastre que é seu governo e por rachas na cúpula bolivariana, ele ameaça radicalizar.
Ao visitar o Fórum Social Mundial, reunido em Porto Alegre, Lula saudou os "governos progressistas" da América Latina. Certamente a Venezuela estava entre eles. Embora tente negar às vezes, o petista é hoje o mais importante aliado incondicional de Hugo Chávez no mundo. Incondicional, sim; não adianta negar. Não há maluquice que este delinqüente tenha proclamado que não tenha recebido o apoio sem reservas do governo do Brasil: do alinhamento escancarado com as Farc, fornecendo-lhe dinheiro e armas, à tentativa de patrocinar um golpe em outro país, com tentou fazer em Honduras. A mais recente contribuição de Lula ao tirano foi patrocinar a aprovação no Senado do ingresso da Venezuela no Mercosul — que, note-se, dispõe de uma cláusula que exclui países que não respeitem a democracia.
O mais curioso e que os delinqüentes nativos — refiro-me aos nossos — que pregam a "democratização" dos meios de comunicação querem uma legislação semelhante à venezuelana. E, sendo assim, é claro que sonham com uma democrata à moda Chávez para poder aplicá-la com eficiência. Vejam ali no que deu a democracia chavista: a população opta por protestar em estádios porque, nas ruas, tem de enfrentar soldados armados.
A Venezuela é a pátria dos sonhos daqueles fedidos e fedidas do Fórum Social Mundial. Eles dizem: "Um outro mundo é possível". É claro que é. A depender dessa gente, pode ser muito pior e Chávez é a prova! A minha fórmula é outra: outros mundos são sempre possíveis, mas nenhum é aceitável fora da democracia representativa e do estado de direito.
E isso deixa as esquerdas, velhas e novas, fora do jogo.