10 fevereiro 2010

Zé Alencar e a "doença ruim"

Hoje, o candidato do Planalto ao governo de Minas é José Alencar, vice-presidente. Mais do que o acerto político, a linguagem que acompanha a decisão já está consolidada. E até o jornalismo escolhe um caminho, vamos dizer assim, decoroso. Câncer, em muitos casos, ainda é "aquela doença". Ou, como se dizia no interior, "doença ruim". Quanto mais se pronuncia o seu nome, mas permanece aquela bruma de decoro. No Estadão, por exemplo, lê-se o que segue — cito só um exemplo, que já se espalha:

Ele lembrou ontem, em Belo Horizonte, depois de um encontro com o governador Aécio Neves (PSDB), que só tomará uma decisão na segunda quinzena de março, depois que fizer exames para saber se está curado do câncer no abdome. "Antes disso não tomo decisão nenhuma", declarou. O vice-presidente ainda fez questão de dizer que sua preferência é por um cargo legislativo.

Se Alencar dependesse do parecer dos médicos, desistiria desde já. Eles não dirão que seu câncer está curado de jeito nenhum. Se disserem, ou um milagre terá acontecido ou estarão mentindo para atender à agenda política. O sarcoma que ele tem é incurável segundo o que há na literatura médica. Mesmo nos casos em que a cura é possível, antes de um determinado número de anos, varia de acordo com o tipo da moléstia, não se fala em "cura". Nem Dilma pode-se dizer "curada". No máximo, ela pode se declarar sem a doença agora.

Deixo claro — e acredite quem quiser — que torço pela recuperação de ambos. Há uma dimensão puramente humana nessa história. Conheço o horror de uma gente bucéfala que se organiza para torcer contra a saúde alheia e que não reconhece limites na divergência política e ideológica. Desejar a morte daquele de quem se discorda não deixa de ser um ato de terrorismo moral ao menos.

Lembro-me de um célebre ensaio da escritora americana Susan Sontag: "A doença como metáfora". No entender de Susan, as pessoas utilizam doenças como cancer e tuberculoso como metáforas para superar problemas que poderiam ser sobrepujados com um mínimo de boa vontade. Embora o ensaio seja um tanto simplista, não deixa de ser interessante. Infelizmente vivemos em um tempo em que a doença não é mais tratada como metáfora e sim como solução. A de Dilma serviu para consolidar a imagem da batalhadora, daquele que enfrenta qualquer dificuldade. Façam uma retrospectiva pelos noticiários e vocês verão que foi ali, no diagnóstico do cancer, que ela se firmou. Com Alencar, a coisa está indo pelo mesmo caminho. Sua doença está servindo para impor um redutor a todas as disputas no campo governista mineiro. Nem PT nem PMDB se oporão a Alencar. No máximo, haverá disputa, entre os petistas, para o lugar de vice. Afinal, chega a ser um pecado falar em não votar num homem com cancer.

E o lugar de vice, nessas circunstâncias — tanto as de Alencar como as de Dilma — tem um peso que jamais teve no Brasil, incluindo o caso de Tancredo Neves. Ninguém sabia do seu real estado de saúde. Agora, sabe-se bem mais. Mas uma nuvem de decoro impede o noticiário político de fazer não exatamente especulações, mas deduções lógicas. Nos EUA, os três tratamentos contra melanoma de John McCain podem lhe ter tirado alguns milhões de votos. No Brasil, o senso comum diz que a doença pode render alguns milhões para os pacientes adoentados.

A eventual candidatura de Alencar — se estiver em condições de disputar, não "se estiver curado" — tem desdobramentos importantes na política mineira e também na sucessão. Podemos dizer, que a essa altura do campeonato, a candidatura de Alencar ao governo de Minas é o evento mais importante da pré-campanha.

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