22 fevereiro 2010

Dilma, a brilhantíssima, e o desperdício.

Celso Arnaldo, no blog do Augusto Nunes


"Pra mim sê pré, agora não falta mais nada". (Ministra-chefe da Casa Civil e candidata do PT à presidencia, Dilma Rousseff)


Dei-me ao desfrute de assistir ao vivo ─ via TV PT, que só hoje descobri que existia ─ à sessão do Congresso do PT que consagrou Dilma como pré (até que enfim…) - candidata à sucessão do Lula.

Como sempre, fico na periferia da coisa ─ que, para mim, quase sempre representa o todo. Eu diria que um discurso de Dilma, por exemplo, é a sinédoque da História ─ mas estaria sendo pernóstico e provavelmente impreciso.

E, perifericamente, me permito algumas observações.

1) Em seu discurso de apresentação da companheira Dilma, que gravei, Lula estava mais à vontade do que pinto no lixo. Estando em casa, entre os seus, caprichou no português de porta de fábrica e comeu todas as concordâncias, além de disparar uma saraivada furiosa do seu obsessivo “ou seja” ─ no começo, no meio e no final dos raciocínios.

E, com essa linguagem mais desabrida do que nunca, deixou de lado qualquer traço de verniz de linha de montagem - como o que ele mostrou, por exemplo, na entrevista ao Estadão, onde posou de estadista tão interessado na verdade e na Justiça que prometeu tirar, depois de sair do governo, o primeiro diploma de sua vida: o de detetive particular para investigar o Mensalão.

Que nada: se alguém ainda tinha dúvida sobre o que Lula realmente acha do Mensalão, basta saber como ele definiu hoje a principal das qualidades de Dilma que o levaram a ungi-la como sua sucessora:

“A companheira Dilma, no auge da crise que nós vivemos em 2005, que na verdade foi uma crise que teve como tentativa dar um golpe no governo. Ou seja, essa companheira, em nenhum momento, deixou de demonstrar o compromisso, como diria o João Paulo, o compromisso de classe dela, o compromisso do lado que ela estava, que é a lealdade extraordinária em defender as coisas que o governo fazia”.

Compromisso de classe, João Paulo TVA, lealdade, o lado que ela estava, as coisas que o governo fazia. Nunca antes neste país um presidente cunhou (perdão, João Paulo, pelo trocadilho proposital) uma definição tão realista, tão crua e tão íntima de famiglia, camorra, máfia, república entre amigos.

Tão à vontade estava Lula na sagração da primavera de Dilma que, descrevendo o modo como ela entrou em sua vida, e na nossa, sem querer ele forneceu para a História uma versão mais despudorada de como foi montado o melhor governo da República:

“Eu me dei conta que o companheiro Zé Dirceu, que está aqui presente, tinha feito, viu Temer?, um acordo com o PMDB, naquele tempo uma parte do PMDB, e o Zé Dirceu tinha negociado o Ministério de Minas e Energia. O Zé me telefonou: olha presidente, nós acertamos aqui o Minas e Energia para o PMDB. Eu falei: negativo, Zé. Pode dizer para o PMDB que não tem Ministério, porque eu tenho a ministra de Minas e Energia. Essa pessoa já está escolhida por mim. E aí anunciei a companheira Dilma Rousseff como ministra de Minas e Energia”.

Boa, presidente: então o sr. preferiu pensar mais no Brasil do que no PMDB? Hummm… não foi bem assim:

“Obviamente que o PMDB soube esperar e depois ganhou o Ministério de Minas e Energia, com o companheiro Silas e agora com o companheiro Lobão”.

Lula prossegue em seu sermão da montanha para louvação de Dilma:
“No Ministério de Minas e Energia a Dilma montou um conjunto de pessoas…”

Quem seriam esses luminares, presidente? Cientistas da USP? O professor Cesar Lattes? Não exatamente. Diz Lula:

“Era ela, a Erenice e a Graça”.

Não me estenderei sobre esse “conjunto de pessoas”. Dilma, Erenice e Graça formam um Trio Ternura de quem eu não compraria um conjunto de panelas de ferro usadas.

2) Nunca assisti a um Congresso do PT, onde se vota de tudo. Não conheço, portanto, os métodos utilizados para referendar votações ou escolhas: cédulas, aclamação, assinaturas? Neste, estava em jogo um referendum magno: a indicação de uma candidata a presidente da República.

Sabe como se procedeu à chancela de Dilma? Levantamento de crachás… O presidente do partido, José Eduardo Dutra, até fez galhofa com o assunto. “Companheiros, vamos repetir a votação porque três companheiros esqueceram seus crachás”. Dois deles eram Lula e José Alencar.

E a pantomima foi novamente encenada. Que a História registre: a candidatura de Dilma Vana Rousseff à Presidência da República nasceu numa “crachanchada”.

3) Discurso de Dilma? A dama de vermelho começou a falar, muito nervosa, inicialmente dirigindo-se às autoridades, e achei que a coisa prometia quando ela se referiu a José “de” Alencar ─ demonstrando que, depois de sete anos de convivência com o vice, Dilma ainda precisa de aprender a tirar a preposição do meio do José Alencar.

Mas, quando começou a discurseira em si, decepção completa. Conheço o DNA de um texto pela primeira frase. Aquilo veio pronto, é discurso típico de redator de discurso ─ e sei disso porque já redigi muitos. A gente ainda tenta adaptar o fraseado ao estilo e à (in)cultura do orador ─ mas sempre escapa um joguinho de palavras, uma imagem mais requintada, com o qual seu superego quer demonstrar que sabe escrever melhor do que o sujeito merece.

Vários colaboradores argutos desta coluna também detectaram, sem maior dificuldade, o dedo, a mão completa de um ghost writer no discurso de Dilma. Franklin, professor Dulci? Não importa. É alguém que sabe citar Drummond e Quintana.

Dilma tropeçaria feio se, por sua conta, tentasse dizer: "No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho".

Apesar do gestual totalmente dissidente das palavras, não era Dilma que estava ali, lendo o teleprompter, mas já a candidata de encomenda, com sua camarilha de assessores e protetores.

Assim terminou o congresso de seis milhões e meio. Tanta gastança para o lançamento da candidatura de uma Dilma Rousseff. Desperdício é isso aí.

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