O jabá dessa semana vai para o Augusto Nunes, que nos brindou mais uma vez com a sua clareza em um texto sobre a infalibilidade das pesquisas de intenção de voto.
por Augusto Nunes
Como em novembro os governadores voltariam a ser escolhidos pelo voto direto, a revista VEJA encomendou ao Instituto Gallup, em junho de 1982, a realização de pesquisas quinzenais em 10 Estados brasileiros. Na primeira, publicada em agosto, o quadro desenhado em Santa Catarina mostrou Esperidião Amin, do PDS, bem à frente de Jaison Barreto, do PMDB. "Alguma coisa está errada", alertou-me um amigo catarinense. "As disputas aqui são sempre pau a pau".
Transmiti o aviso ao presidente do Gallup, Carlos Matheus. Ele nem apagou o cachimbo. Entre bonitas baforadas, dissertou sobre a moderníssima metodologia utilizada e sobre o mundo encantado da estatística. Na pesquisa seguinte, cresceram a vantagem de Amin e a multidão de catarinenses perplexos. Matheus aumentou o tamanho da amostragem, mas os índices se mantiveram estáveis até a última pesquisa, divulgada em 27 de outubro. Com 50% das intenções de voto, Amin apareceu 18 pontos percentuais à frente de Jaison Barreto. Era esperar a abertura das urnas no dia 15 de novembro e correr para o abraço.
Faltou combinar com o eleitorado. A apuração oficial confirmou a vitória de Amin, mas desmoralizou as pesquisas. O vencedor teve 838.150 votos e Jaison, 825.500. A diferença foi de 12.650, menos de 1% do total de 2 milhões de eleitores. Duas semanas depois, Carlos Matheus contou-me que desvendara o enigma. Subornados por partidários de Amin, dois pesquisadores da região de Joinville, reduto eleitoral do PMDB, fraudaram sistematicamente os 24 formulários entregues ao Gallup a cada 15 dias. Quer dizer que duas dúzias de formulários adulterados fazem um estrago desses?, intriguei-me. Fazem, confirmou Matheus. Se é verdade que os indecisos tendem a votar no favorito, Esperidião Amin deve seu primeiro mandato a mim e ao Instituto Gallup.
Quase repetimos a façanha em 1985, quando também os prefeitos das capitais voltaram a ser eleitos pelo voto direto, a VEJA voltou a contratar o Gallup, eu voltei a jogar em dupla com Carlos Matheus e a pesquisa voltou a colidir com as urnas, desta vez em Fortaleza. No levantamento divulgado em 30 de outubro, Paes de Andrade conseguiu 50% das intenções de voto. Metade do total de 750.000 eleitores, portanto, resolvera que o candidato do PMDB merecia governar a capital cearense.
Lúcio Alcântara aparecia em segundo lugar com 21%, Maria Luiza Fontenelle claudicava no terceiro com 10%. Coloquei Paes de Andrade no topo da lista dos que já deviam ter encomendado o terno da posse. Foi assim que o futuro fundador da República de Mombaça virou prefeito de Fortaleza por 15 dias. De novo, faltou combinar com o eleitorado. E o vitorioso nas pesquisas acabou surrado nas urnas por Maria Luiza Fontenelle.
O que houve agora?, espantei-me outra vez. E então ouvi de Carlos Matheus que o Gallup, por acreditar que a questão estava liquidada, havia encerrado em 1° de novembro as pesquisas de campo. No espaço de duas semanas, por insondáveis razões, dezenas de milhares de devotos haviam trocado de seita. Naquele dia, a desconfiança surgida em 1982 se transformou em descrença. Sim, existem pesquisas sérias. O problema é que nem todas são. E mesmo as feitas com seriedade não descobrem nada que o olhar atento de um bom jornalista não consiga enxergar.
Pelo que vivi e pelo que sei, não dou maior importância a pesquisas eleitorais (que o Gallup, aliás, deixou de realizar). Não perco tempo sobretudo com as realizadas a léguas do dia da eleição. Vi como são feitas. Nem desperdiço textos com institutos que escondem nomes de candidatos, ou trabalham para o governo entre uma eleição e outra, ou servem apenas a um único patrão.
As fábricas de índices devem a sobrevivência à pesquisa de boca de urna, que corrige os desvios colossais registrados nas anteriores. É que no dia da eleição os entrevistadores não perguntam em quem alguém pretende votar, e sim em quem votou. Pesquisa de boca de urna não faz sondagens. Faz constatações, e aí sim a estatística vira ciência. Malandramente, a avaliação do desempenho dos institutos se baseia no último levantamento. Se os resultados oficiais fossem confrontados com índices colhidos dias antes, quem encomendou as pesquisas poderia devolvê-las por defeito de fabricação e pedir o dinheiro de volta.
Brasileiros vigiam com muito mais rigor as coisas do futebol que as coisas da política. E nem os gramados escapam. É difícil acreditar que resultado de pesquisa esteja fora do alcance de trapaceiros que mudam até resultado de final de campeonato.
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