22 setembro 2009

A saga da República Bananeira*

Desde que o governo de Manoel Zelaya foi deposto, a jornalista Mary Anastácia O’Grady vem escrevendo uma série e artigos sobre a crise política em Honduras. Para aqueles que não se lembram, no dia 28 junho as forças armadas hondurenhas executaram um mandado contra o presidente Manoel Zelaya por ele ter tentado realizar um referendo sobre a possibilidade de reeleição. Às 5 horas da manhã, duas centenas de soldados invadiram a casa de Zelaya e o levaram, ainda de pijama, até uma base aérea, de onde foi expatriado para a Costa Rica.

Nas últimas semanas, a Organização dos Estados Americanos, a Assembleia-Geral das Nações Unidas e a União Européia e os Estados Unidos, ameaçaram o país com inúmeras sanções. O resultado é um paradoxo: o presidente odiado por seu pares tornou-se uma celebridade exterior. Mas quem é Manoel Zelaya? Dono de fazendas e madeireiras, Zelaya foi eleito por um partido de centro-direita, mas lá pela metade do mandato aproximou-se de Hugo Chávez. Seu governo aceitou do caudilho venezuelano 130 milhões de dólares, 4 milhões de lâmpadas e 100 tratores pela entrada de Honduras no Alba, o clube dos amigos de Chávez. Os hondurenhos preferiram fazer vista grossa para o suborno do presidente venezuelano e aceitaram a oferta; só não contavam que Zelaya levava a sério esse papo de revolução bolivariana e aderisse, de uma vez por todas, aos planos chavistas.

Seguindo o roteiro do nosso querido Simon Bolívar do século XXI, Zelaya convocou um plebiscito para solapar a democracia alterando a Constituição e autorizando a própria reeleição. Nem seu partido o apoiou, afinal, a Carta que ele pretendia reescrever garantiu inéditos 27 anos de estabilidade política e democracia ao povo hondurenho. Apesar de a proposta de consulta popular ter sido rejeitada pelo Parlamento e vetada pela Suprema Corte, Zelaya a convocou assim mesmo. Como a Constituição não permite o impeachment, a oposição optou pelo caminho, digamos, tradicional. No dia previsto para o referendo, os militares o tiraram do poder com o apoio do Legislativo, da Suprema Corte e da maioria dos hondurenhos.

Há esta altura, você deve estar se perguntando: mas o que nós, brasileiros, temos a ver com isto?

Ora, o Brasil foi um dos defensores mais empedernidos de Zelaya e ao lado da Venezuela de Hugo Chavez, do Equador de Rafael Correa, da Nicarágua de Daniel Ortega (sim, é aquele guerrilheiro da Frente de Libertação Sandinista) e da Argentina dos Kirchner, moveu mundos e fundos para restituir o poder de Zelaya. Nenhum destes países, levou em conta que Zelaya é um plutocrata que queria utilizar um instrumento essencialmente democrático (o plebiscito) para enfraquecer as instituições hondurenhas exatamente como Chavez, na Venezuela. Como observou Miguel Estrada, advogado de Washington, em uma edição do Los Angeles Times daquele mesmo mês: “o artigo 239 diz especificamente que qualquer presidente que meramente proponha que se permita a reeleição ‘cessará imediatamente’ o desempenho de suas funções e o artigo 4 estabelece que qualquer ‘infração’ das regras de sucessão constitui traição”. Em outras palavras: O congresso não tinha saída além de ir adiante condenando a conduta ilegal do presidente Zelaya e votando por sua remoção do cargo (o resultado da votação foi de 122 a 6; a favor da destituição de Zelaya).

O presidente Lula e o chanceler brasileiro Celso Amorim (que o Reinaldo Azevedo chama sabiamente de “megalonanico”), tinham todo direito de repudiar a atitude dos hondurenhos e demonstrar apoio ao presidente deposto Manoel Zelaya. O que eles não tinham, e ainda não tem, é o direito de passar por cima da Constituição de Honduras, da Constituição do Brasil e da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) recebendo Manoel Zelaya em sua embaixada e facultando meios para que ele convoque os seus seguidores para a “resistência”.

Mas do que você está falando, Thiago?

Bom, vejamos: ao imiscuir-se em um assunto que dizia respeito apenas aos cidadãos hondurenhos, Lula e Celso Amorim violaram o viola também o artigo 4º da nossa Constituição.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

VII - solução pacífica dos conflitos;

Ao receber Zelaya em sua embaixada, o Brasil agrediu de maneira frontal, clara, inequívoca e inquestionável a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), que diz:

Art. 9°

Um membro da Organização, cujo governo democraticamente constituído seja deposto pela força, poderá ser suspenso do exercício do direito de participação nas sessões da Assembléia Geral, da Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das Conferências Especializadas, bem como das comissões, grupos de trabalho e demais órgãos que tenham sido criados.

a) A faculdade de suspensão somente será exercida quando tenham sido infrutíferas as gestões diplomáticas que a Organização houver empreendido a fim de propiciar o restabelecimento da democracia representativa no Estado membro afetado;

b) A decisão sobre a suspensão deverá ser adotada em um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral, pelo voto afirmativo de dois terços dos Estados membros;

c) A suspensão entrará em vigor imediatamente após sua aprovação pela Assembléia Geral;

d) Não obstante a medida de suspensão, a Organização procurará empreender novas gestões diplomáticas destinadas a coadjuvar o restabelecimento da democracia representativa no Estado membro afetado;

e) O membro que tiver sido objeto de suspensão deverá continuar observando o cumprimento de suas obrigações com a Organização;

f) A Assembléia Geral poderá levantar a suspensão mediante decisão adotada com a aprovação de dois terços dos Estados membros;

g) As atribuições a que se refere este artigo se exercerão de conformidade com a presente Carta.

Atenção! O artigo veta explicitamente a ação brasileira no item mais aparentemente anódino: o “g”. A pressão dos demais membros tem de ser feita “em conformidade com a carta”. E isso implica que um país não interfira na realidade interna do outro - e o Brasil está interferindo de maneira óbvia.

Agora leiam o Artigo 19:

Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro. Este princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem.

A intervenção do Brasil, como notam, não tem nada de “indireta”. É direta mesmo! A expressão “seja qual for o motivo” exclui qualquer desculpa que o governo brasileiro possa dar (Inclusive aquela de que Zelaya chegou a nossa embaixada com as suas próprias pernas). Amorim e Lula jogaram a carta da OEA no lixo!

E a coisa ainda pode ficar pior, pois esta manhã o bandoleiro deposto se dirigiu aos seus seguidores com o brado: “Pátria, restituição ou morte”. É evidente que o governo brasileiro esperam que os hondurenhos tenham o juízo que eles não têm. Afinal, que compromisso o chamado “governo de fato” pode ter com a inviolabilidade da embaixada do Brasil se é considerado um “fora-da-lei”? Sim, há quem veja nessa atitude um gesto de coragem, ousadia e humanismo até. Sem dúvida, a maior prova da grandeza moral de Lula é sua undécima defesa da ditadura cubana, agora nas Nações Unidas!

Enquanto o nosso governo insufla a guerra civil num país que não tem presos de consciência e respeita as normas comezinhas do Estado de Direito, nossos líderes recebem tiranos como Khadafi e Ahamadinejad e pedem que o regime cubano seja tratado como um governo respeitável. Curioso não acham?

Digamos que a Justiça, o Congresso e as Forças Armadas tivessem deposto Zelaya em desacordo com a Constituição, O QUE É MENTIRA, pergunto: isso justifica que o Brasil, para restaurar a democracia (que nunca deixou de existir), viole as regras mais básicas do direito internacional? Micheletti, o presidente de fato de Honduras, ainda pediu ao Brasil que entregasse Zelaya à Justiça. Que Justiça? Lula e Amorim, não reconhecem nem o Congresso nem o Judiciário de Honduras. Sendo assim, a reinstalação de Zelaya no poder só poderia se dar com ele num trono, com rei absolutista de Honduras.

É o mais curioso é que os acólitos do governo Lula e do chanceler brasileiro Celso Amorim, já se encarregaram de espalhar a versão de que Zelaya “escolheu” (!!!) o Brasil; um sinal do nosso prestígio do país na região. De todas as porra-louquices internacionais feitas pelo Itamaraty, esta foi, sem dúvida, a maior e mais ousada, pautada, ademais, pela propaganda. Lula vai defender o fim do embargo comercial americano à tirania cubana com a “força” de quem intervém de modo grotesco na realidade interna de um outro país, mesmo com o risco de lançá-lo numa guerra civil. Lula queria ser notícia no mundo. Até havia pouco, noves fora a discurseria mistificadora, o governo Lula era, em política internacional, arrogante e falastrão. Agora estamos vendo que pode ser também perigoso.

Não faz tempo, a revista britânica Economist perguntou de que lado estava o Brasil. A resposta era e é clara: do lado das ditaduras e dos que vislumbram uma “nova ordem” com o declínio dos EUA. Começamos a ver que cara ela vai assumindo.

* O título desse artigo alude a citação do humorista americano William Sydney Porter, que viveu em Honduras no início do século XX e definiu o país como uma "República bananeira". Com o passar do tempo, a expressão passou a ser aplicada a outras nações latino-americanas com o sinônimo de um governo corrupto e economia baseada em um único produto.

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