17 junho 2009

Marx, uma espécie de Roque Santeiro das idéias

por Thiago Nogueira

Recentemente o jornal Estadão publicou um texto do professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP, José de Sousa Martins, sobre a greve naquela universidade. O texto, intitulado "O medo da classe sem destino", foi publicado no suplemento "Aliás" e teve ampla repercussão entre os acadêmicos de todo o país.

Ao contrário de boa parte dos seus colegas uspianos, José de Sousa Martins é um homem inteligente e tem sido um crítico habitual do pensamento marxista contemporâneo; podemos dizer que ele é uma espécie de Walter Benjamin dos tempos modernos. Se o professor Martins tivesse a coragem necessária para dar um passo à frente, ele se tornaria um cientista social e tanto. Infelizmente, escapar ao ópio dos intelectuais é tão difícil quanto escapar do legítimo ópio do Oriente.

Neste contexto, é muito mais fácil redigir um embuste do que expor a verdade. E foi exatamente isso que o professor Martins fez... Analisou a situação da classe média de acordo com a tão propalada teoria da luta de classes e extraiu uma mentira travestida de verdade sociológica; uma conclusão estapafúrdia. Tão estapafúrdia que expôs o seu autor ao ridículo.

Para o professor Martins, como para os teóricos de esquerda de um modo geral, a classe média é odiosa, na medida em que anseia por transformar-se em classe alta e, principalmente, por servir de braço armado desta classe na ignominiosa - oh! - exploração do proletariado. Nos momentos de crise, como na Alemanha de Weimar, foi a classe média que se transformou, segundo Martins, nas primeiras bases do partido nacional-socialista.

O professor José de Sousa Martins se esqueceu que foi dessa mesma classe média que saiu a vanguarda que liderou a frente pelo socialismo internacional na Rússia de 1917. Aliás, o professor também se esqueceu dos inúmeros socialistas que circulam pelos corredores do Gulag do Butantã - a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo -, todos renitentes marxistas e integrantes dessa mesma classe média.

Enfim, de acordo com as idéias de Martins, a classe média, em momentos de crise, se agarra com unhas e dentes aos seus pequenos privilégios. Isso, para ele, explica a greve que está ocorrendo - ou já acabou, não sei ao certo - na USP: usurpando o discurso "democrático" da esquerda, para garantir seus privilégios uspianos, os grevistas da universidade põem em ação supostas práticas de direita - isto é, o autoritarismo de uma minoria impor com violência e vandalismo uma greve à maioria!

Não obstante, esta greve é comandada pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado. Este partido, gerou uma dissidência ainda mais radical, comandada pelo sindicalista e criminoso confesso Claudionor Brandão; aquele que foi demitido por justa causa do quadro de funcionários da USP. Todos eles - Brandão, os funcionários, os professores e os alunos grevistas -, são integrantes desta classe média a quem Martins acusa de "direitismo intrínseco".

Na verdade, ao acusá-los de "direitistas" - um eufemismo para nazistas -, o professor Martins pressente a proximidade entre o nazismo e o comunismo, mas não tem a coragem necessária para encará-la. Para admitir as semelhanças entre Hitler e Lenin (Stalin também, é claro), seria preciso colocar na fogueira o sr. Karl Marx e esse é um sacrifício que nem Martins nem a esmagadora maioria da "intelequitualidade" brasileira têm capacidade e coragem para fazer.

Para encerrar, ao transformar a greve da USP em obra da direita, o cientista social me fez concluir que os partidos de esquerda e o marxismo são uma espécie de Roque Santeiro do mundo das idéias. Roque Santeiro, o personagem da novela, era aquele que foi sem nunca ter sido. O marxismo é aquele que não é, tendo sido sempre. Senão, vejamos: um partido de extrema esquerda – inspirado na revolução bolchevique - faz uma greve selvagem e a esquerda moderada a acusa de "direitismo", pois a verdadeira esquerda é democrática e civilizada. Ora, não é a mesma idéia que está por trás da expressão "socialismo real"?

Para a "intelequitualidade" socialista, o "socialismo real", isto é, aquele que vigorou da União Soviética e no Leste Europeu, não é o verdadeiro socialismo de Marx, assim como não é o verdadeiro socialismo de Marx aquele que ainda vigora na Coreia do Norte.

O verdadeiro socialismo de Marx é sempre aquele que será alcançado na próxima revolução, nunca na anterior. O socialismo das revoluções anteriores, mais sanguinário e repressivo do que o próprio nazismo, não é socialismo: é a degeneração das idéias humanitárias de Karl Marx, perpetradas por Stalin, aquele monstruoso... Bode expiatório.

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