22 dezembro 2009

Os eco-chatos e seu mundo perfeito

O "homem-massa", de Ortega y Gasset, chegou ao poder e impôs sua ditadura do politicamente correto. Vivemos na era da chatice, em que a idiotice e a vulgaridade dominaram de vez a cena. Vivemos em uma verdade 'mediocracia' e o pior é que ela está em voga. Todos devem seguir o script dos medíocres, eco-chatos, pseudo-moralistas e etc. Afinal, é a era dos eufemismos, onde a realidade objetiva precisa ser obliterada para proteger os mais "sensíveis". Aqueles que não puderem se conformar, terão, no mínimo, que se resignar, pois nos tempos de hoje, ninguém pode se desviar do padrão definido. As diferenças incomodam, e muito, os coletivistas que são adeptos do igualitarismo.

Até mesmo o Papai Noel foi vítima dessa mentalidade obtusa. Sim! A inteligentsia não poupa ninguém; nem mesmo o bom velhinho. Enfim... Todos sabemos que a obesidade é um problema de saúde que atinge pessoas do mundo todo. O que nós não sabíamos é que um dos maiores culpados pelo IMC exagerado de uns e outros é o Papai Noel. Eu explico: Recentemente, o médico Nathan Grills, da universidade australiana Monash, publicou um artigo dizendo que a imagem atual do Papai Noel promove a obesidade e um estilo de vida pouco saudável. Para o médico, Papai Noel é um "pária da saúde pública" e seria melhor se ele fosse retratado sem aquele barrigão, sua marca registrada. O doutor Grills afirma que "uma figura tão conhecida em todo o mundo quanto a de Papai Noel tem o potencial de influenciar pessoas, especialmente as crianças, e transmitir a mensagem de que ser obeso é bom". Como não pensei nisso antes! O mundo de Caras precisa de um Papai Noel sarado e voui la, todos os obesos desapareceram como num passe de mágica. O doutro Grill prestou um grande serviço a humanidade provando que um mundo sem cirúrgias bariatricas e clínicas de reabilitação alimentar é possível.

Antes de comentar a lógica por trás desse brilhante raciocínio, permitam-me fazer uma breve digressão. Quando eu era criança, nos fartavamos de comer uns cigarrinhos de chocolate que vinham em maços. Uma cena como essa seria impensável hoje em dia. Chocolate, um inimigo público! E ainda por cima em forma de cigarro? Seria demais para o mundo moderno. As mentes iluminadas do nosso planeta diriam que as crianças vulneráveis seriam todas fumantes compulsivas. Nos dias de hoje, não há mais espaço para doces e guloseimas como os bons e velhos cigarrinhos. Nosso mundo mudou e se me permitem dizer, para pior! Os "junk foods", se tornaram alvo dos ataques dos chatos e os governos criaram "sin taxes" para encarecer tais produtos e inviabilizar o seu consumo. Pensar na possibilidade de que os próprios pais imponham limites aos filhos ensinando-os que não se deve viver apenas de Big Mac e Ovolmatine, é algo estranho demais para os engenheiros sociais, filhotes de Rousseau.

Para eles, a solução para todo e qualquer tipo de problema passa pelo controle estatal. Cabe ao governo cuidar de nossas crianças, tal como o modelo de Esparta, que séculos depois foi copiado pelos comunistas chineses. Dentro em breve, os vegetarianos pentelhos vão criar uma dieta saudável para todos. Como disse Luiz Felipe Pondé em um artigo recente,intitulado"O cadáver verde": "essa gente entediada costuma comer tudo em que aparece na bula a palavra 'orgânico'". A carne vermelha é o inimigo número um deles, não importa os dentes caninos afiados que a natureza lhes deu. Para esse povo, cortando a carne nós matamos dois coelhos numa só cajadada: temos uma alimentação mais "saudável", e menos vacas soltando pum, o que colabora para a redução do monóxido de carbono.

Por mim, tudo bem. Que comam aquilo que desejarem. Mas que deixem os outros em paz! Eis algo que os autoritários não toleram, a despeito de toda retórica: diversidade. Eles precisam abraçar cruzadas morais para salvar as almas alheias. Somente assim se sentem importantes, nobres altruístas, aplacando um pouco seu complexo de inferioridade. Em nome da diversidade, essas pessoas lutam por uma total uniformidade. Querem um mundo de gente igualmente chata, todos pregando as mesmas bandeiras politicamente corretas. Já estou vendo o dia em que até contar piadas de gays, negros judeus e portugueses será crime por aqui!

Como disse David Friedman, parte da liberdade é o direito de cada um ir para o "inferno" à sua maneira. Infelizmente, o "homem massa" não pode conviver com um pensamento assim, pois ele não aceita a liberdade individual e vive em prol do bem comum. Para ele, tudo deve ser "democrático". Devemos lutar pela "igualdade", mesmo que a natureza tenha sido bastante desigual na hora de distribuir talentos, habilidades, beleza e saúde. O paraíso do "homem massa" é um mundo com tudo reciclado, pessoas vestindo roupas parecidas sem grife e andando de bicicleta para cima e para baixo. A Utopia de Thomas More ou a Cidade do Sol de Campanella. Todos com bastante consciência ecológica e disposto a salvar o planeta da sanha dos capitalistas ganaciosos de cartola. Essa gente ama a natureza virgem, embora viva no seio das grandes cidades. E pensar que bastaria jogar esses naturebas um dia, um único dia, na selva hostil ,para voltarem chorando para o conforto da civilização urbana...

E já que estamos falando neste assunto, até mesmo o melhor amigo do homem virou alvo desses chatos. Segundo eles o cão contribui para o "aquecimento global". O Fantástico embarcou nessa histeria patética e fez uma reportagem sobre o assunto. Quando soube disso, pensei na música "Rock da Cachorra", escrita por Leo Jaime e cantada por Eduardo Dusek, que dizia "troque seu cachorro por uma criança pobre". A versão atual seria "troque seu cachorro por uma plantinha nobre". O planeta pode derreter a qualquer momento, dizem os seguidores do profeta Al Gore. Se ao menos cada pessoa plantar uma árvore e deixar o carro na garagem... Aí sim, Al Gore poderia continuar viajando para todo lado em seu jato com consciência limpa. Vivemos na era da hipocrisia.

Estamos diante de uma verdadeira "rebelião dos idiotas". O desabafo pode parecer despropositado com base apenas no ataque à pança de Papai Noel, mas se trata no fundo de um acúmulo de coisas pregadas atualmente. Que mundo mais chato nós vamos deixar para nossos filhos!

Ps.: Por favor, não tentem me comover com aquela imagem ridícula do urso polar boiando a deriva num blogo de gelo. Os únicos ursos polares que tinham a capacidade de me comover era aqueles que apareciam no comercial da Coca Cola. Infelizmente, estes já foram todos extintos.

21 dezembro 2009

Olha o aquecimento aí gente

Acabo de saber que a baixa temperatura que vem atingindo o hemisfério norte nos últimos dias trouxe consequências graves aos Estados Unidos e à Europa. As nevascas e o frio intenso provocaram a morte de mais de 60 pessoas durante o fim de semana, além de transformar drasticamente a rotina de americanos e europeus, que voltaram ao trabalho nesta segunda-feira.

A CNN notíciou que mais de 6.000 chamados foram atendidos na costa leste dos EUA. Mais da metade desses chamados era referente a acidentes de trânsito e veículos isolados pela neve, que atingiu números recordes. Em algumas regiões, a neve ultrapassou 55 centímetros. Uhuuu!

A situação é ainda mais grave na Europa. Na Polônia, 42 pessoas morreram em apenas dois dias - os termômetros chegaram a -20ºC no país. Na Áustria, autoridades informaram as mortes por congelamento de duas pessoas que tentavam voltar a pé para casa. No sudoeste da Alemanha, o corpo de um desabrigado de 46 anos foi encontrado. A Itália, onde geralmente o inverno é menos rigoroso, também foi atingida por nevascas e baixas temperaturas. O frio e a neve também atingiram Portugal, colocando regiões do norte e do centro em estado de alerta no domingo. Em Madri, a neve prejudicou os transportes e o tráfego. No aeroporto internacional de Barajas, mais de 50 voos tiveram que ser cancelados ou adiados, pois duas das quatro pistas foram fechadas por problemas de visibilidade. Trens de alta velocidade também ficaram parados em consequência das nevascas. Quanto às estradas, o tráfego foi bloqueado ou praticamente paralisado em todas as vias.

O tráfego de trens de passageiros da Eurostar entre Londres e Paris foi suspenso novamente nesta segunda, anunciou a empresa, depois de uma série de problemas provocados pela neve e o frio. O secretário de estado francês para os Transportes, Dominique Boussereau, afirmou considerar "inadmissível" a suspensão por vários dias do tráfego ferroviário entre as duas capitais e pediu uma investigação. Mais de 2.000 passageiros tiveram que passar a noite de sexta-feira para sábado bloqueados no túnel sob o Canal da Mancha. Alguns ficaram mais de 15 horas sem água ou alimentos, sob intenso frio, sem informações sobre a situação, por falhas em cinco trens Eurostar.

Tudo isso aconteceu enquanto o mundo estava com os olhos voltados para aquela rapaziada lá em Copenhagen, que não sabe fazer outra coisa a não ser alertar para a tal da onda iminente de calor que se aproxima. É pensar que há vários meses eu publiquei alguns textos neste Blog falando sobre os especialistas que alertam para a onda de frio que está por vi.

Sabem... Eu não quero ser presunsoso e muito menos pedante, mas é preciso ser tremendamente estúpido para ignorar que o planeta enfrenta ondas cíclicas de calor e frio. Será que nenhum desses tais especialistas se pergunta porque Eric, o viking, batizou a Groelândia de "Terra Verde"? Será que isso por si só, não é uma evidência mais do que suficiente que num período não muito distânte a Terra era bemmm mais quente do que é hoje? Enfim, os alarmistas podem pensar o que quiserem, mas eu não tenho a menor intensão de me converter a essa seita ecologicamente correta. Vou continuar tomando o meu Chicabom, dando graças a Deus pelos avanços da indústria farmáceutica e se possível, comprando moveis de madeira de lei.

Como evitar a barbárie

Todos sabem que o império da lei visa evitar o estado de barbárie. Dita assim, como um eco do que já afirmaram muitos filósofos ao longo da História, a frase parece uma obviedade. Infelizmente, não é bem assi no Brasil e o caso do garoto Sean é um infeliz exemplo disso.

Eu não tenho a intenção de julgar quem deve ter o direito sobre a guarda do menino, pois não tenho propriedade para tanto. Quero apenas fazer uma breve digressão, pois tenho certeza de que os dois lados têm os seus motivos, e mais do que isso, têm experimentado uma tremenda angústia com o que está acontecendo. O drama do menino Sean ganhou uma proporção tão grande que há essa altura, nenhum veredicto será totalmente justo. É, antes de tudo, uma situação que beira a barbárie: ou arrancamos o garoto da família com quem ele viveu nos últimos quatro anos ou negamos ao pai biológico o direito de passar a vida ao lado do filho. E é aí que entra o meu ponto de vista: se a lei tivesse sido respeitada na origem, nada disso estaria acontecendo agora.

Para impedir que casos assim ocorram, em 1980 foi concluída a Convenção de Haia, da qual o Brasil e os EUA são signatários. O objetivo da Convenção é "proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita".

Trocando em miúdos, a convenção se aplica aos casos em que uma criança é levada para outro país, sem a concordância expressa daquele ou daqueles que têm a sua guarda. Note que a convenção não fala em nacionalidade, mas em país onde fica a sua "residência habitual". Imagine que um menino nasça no Brasil, de pai americano e mãe brasileira e vá morar com eles na Alemanha, onde permanece por quatro anos, findos os quais, sem a autorização do pai, é levado pela mãe para o Brasil. Num caso assim, pouco importa a nacionalidade da criança, do pai ou da mãe: a Convenção determina que ela seja imediatamente devolvida à Alemanha, porque é ali a sua residência habitual. Mais do que isso, a Convenção não determina que o menino seja devolvido ao pai, mas que ele volte à Alemanha, inclusive na companhia da mãe se assim ela desejar, e que ali se instaure um processo civil para decidir com quem a criança ficará morando e o direito de visita da parte daquele que perder a sua guarda. Simples, não acham?

Por que a convenção age assim? Porque o intuito do documento é benefíciar a criança e não os seus pais. Quanto menos tempo uma criança passar fora de seu ambiente habitual, menos danos serão causados no relacionamento dela com o pai ou a mãe de cuja companhia ela foi afastada.

A convenção visa a manter vivos os laços entre a criança e os seus pais, e deixa para a Justiça local decidir se é o pai ou a mãe o mais bem equipado para viver com ela sob o mesmo teto.

Evitar danos nesse contato é tão importante que a convenção estabelece um prazo de seis semanas para que a criança seja devolvida. Independentemente das razões da mãe de Sean, se a Justiça fluminense tivesse sido fiel ao espírito da lei que mencionei do início desse texto, mãe e filho teriam sido mandados de volta a Nova Jersey, onde viviam há quatro anos. A mãe não teria que se separar do filho e os dois nem sequer teriam de voltar a viver ao lado do pai. Teriam apenas de estar em Nova Jersey, onde um processo definiria a guarda, o direito de visita e o local de residência da criança, que poderia ser inclusive o Brasil. Fossem quais fossem as razões da mãe de Sean, elas deveriam ser apresentadas, com provas, para a Justiça americana, que julgaria o caso, não porque os Estados Unidos sejam melhores do que o Brasil, mas porque é assim que determina a lei internacional. Se a Convenção de Haia tivesse sido respeitada lá atrás, mesmo que o pai tivesse perdido a guarda de Sean, seu relacionamento com ele teria sido preservado.

A convenção é muito clara em seu artigo 12. Diz que se houver decorrido menos de um ano entre a ida da criança, sem autorização, para outro país e a instauração de um processo legal pedindo a sua volta, o retorno deve ser imediato. Este era o caso de Sean, mas a Justiça brasileira reteve o menino no Brasil diversas vezes. O pior é que os nossos magistrados tem agido da mesma forma em casos semelhantes a este! Baseados na letra "b" do artigo 13 da Convenção, que diz que a autoridade judicial não é obrigada a ordenar o retorno imediato da criança se ficar provado que existe "um risco grave de a criança ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável", os nossos juízes agem a revelia da lei, desrespeitando um princípio básico de convivencia entre os povos.

Na última semana, ouvi dezenas de especialistas no assunto discursarem sobre o caso e todos foram unanimes em dizer que a alínea "b", do artigo 13 da Convenção, deve ser interpretada como uma exceção usada apenas em situações extremas, em que o risco tenha sido cabalmente comprovado. Mas, como de costume, no Brasil a exceção virou regra e a regra virou exceção.

Na minha opinião, o risco a qual a Convenção se refere existe quando a criança é mantida fora de alcance por tempo longo o suficiente a ponto de causar danos aos laços afetivos que a une a pai ou mãe. Não precisa ser um observador muito arguto para constatar que é exatamente isso que está sendo feito no Caso Sean! Devemos nos perguntar se o suposto risco de dano psíquico alegado quatro anos atrás pela família materna do menino é maior do que o dano que ele está sofrendo hoje? Lá atrás, Sean era uma criança adaptada à mãe, ao pai e a Nova Jersey, onde morava havia quatro anos. Ele frequentava uma escola regular e tinha amigos da mesma idade. Tinha vida comunitária e todas as outras coisas que uma criança de 4 anos costuma ter. Acho que se houvesem ressalvas em relação ao pai do garoto, a justiça americana saberia dizer. Mas não... A exemplo do que está ocorrendo no caso Battisti, a justiça brasileira arrogou para si o papel de revisora da Corte de outro país. Imbuído do espiríto que os nosso magistrados são mais capazes, mais instruidos e talvez até mais bonitos que os de fora, o Itamaraty decidiu que tínhamos que ficar com o garoto, mesmo que isso violasse flagramente uma Convenção que ele próprio, o Itamaraty, havia assinado anos antes.

O resultado dessa piada de mal gosto está aí! Tenho certeza que nenhum de nós gostaria de estar na pele do juiz brasileiro que terá de decidir o caso, causando, inevitavelmente, sofrimento inenarrável a família brasileira, a família americana e, sobretudo, a Sean.

16 dezembro 2009

Pegue seu chapéu e saia de fininho

Tudo voltou ao normal em Honduras. Metade da população com-pareceu à eleição do dia 29, vencida pelo candidato do Partido Nacional, Porfirio Lobo, com 56% dos votos. Três dias depois, o Congresso hondurenho vetou a restituição, ainda que simbólica, de Manuel Zelaya. O bigodudo, destituído da Presidência em junho, quando tramava mudar a Constituição, continua encastelado na embaixada brasileira, com assessor só para lhe passar o chapelão e fazer pose de importante. Foram 111 votos contra a sua volta, 14 a favor e nenhuma surpresa: o mesmo Congresso havia aprovado a sua destituição. Ao final, a crise que, segundo a diplomacia do governo Lula, lançaria o pequeno país no limbo eterno durou menos de seis meses. O mérito foi dos hondurenhos, que votaram pela normalização, e dos Estados Unidos, que promoveram um acordo altamente flexível pelo qual todas as partes antizelaystas fingiram que discutiriam sua volta para valer enquanto tocavam o projeto eleitoral. A influência nociva do venezuelano Hugo Chávez – cuja cartilha inclui o desrespeito às instituições democráticas e uma mudança nas leis para ganhar um mandato vitalício – foi cortada pela raiz e, felizmente, não se divisa nenhum projeto de repressão aos zelaystas. O lado triste foi o vexame desnecessário e desmoralizador da diplomacia lulista, que boicotou a saída eleitoral como se fosse uma praga inconcebível.

O argumento de que as eleições legitimariam o golpismo não cola por dois motivos. Primeiro, elas já estavam previstas antes da destituição de Zelaya. Segundo, porque foram tão aceitáveis quanto possível num país como Honduras, apesar das circunstâncias excepcionais. Até o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia acenou com uma rendição inglória e o reconhecimento do "fato político" – mas até para reconhecer um fato ele fez papelão e acusou de "indelicada" e "improcedente" a comparação feita pelo presidente da Costa Rica Oscar Arias entre a boa vontade em relação à reeleição fraudada do iraniano Mahmoud Ahmadinejad e a intransigência à eleição em Honduras. O assessor bateu assim um recorde: em menos de uma semana, ofendeu dois ganhadores do Nobel da Paz, Arias e Barack Obama. Na nova política externa brasileira, até Tancredo Neves poderia ser chamado de ilegítimo, porque foi escolhido pelo general Figueiredo. Ou Patricio Aylwin, no Chile, Vicente Fox, no México, ou Lech Walesa, na Polônia.

Coube ao eleito Porfirio Lobo dar prova de maturidade e elegância. "O Brasil vai aceitar a realidade com o tempo", disse. "E a realidade é que as eleições reforçam nossa democracia." Agora, sobra o bolão sobre o destino de Zelaya: 1) mudará de cafofo, transferindo-se para a Nicarágua; 2) entrará no negócio de chapéus; 3) continuará até o fim dos tempos na embaixada brasileira, sem ninguém perceber.

Fazendo jabá

O jabá dessa semana vai para o Rodrigo Constantino, com o seu brilhante texto "De Cuba, com coragem".

De Cuba, com coragem

por Rodrigo Constantino

"Estou consciente de que me calei, de que permiti que alguns poucos governassem a minha ilha como se se tratasse de uma fazenda". (Yoani Sánchez)


Todo mundo, à exceção de alguns "intelectuais" e inocentes úteis, sabe que Cuba é um verdadeiro inferno. Alguns socialistas envergonhados condenam a opressão política, mas tentam enaltecer as "conquistas sociais", tais como saúde e educação. Tais "conquistas" não passam de um mito, naturalmente. Eis porque uma simples blogueira incomoda tanto os defensores do regime. O livro De Cuba, com Carinho, de Yoani Sánchez, relata o verdadeiro cotidiano da ilha. A imagem extraída de seus artigos não é nada bonita.

Yoani buscou na internet a liberdade que ela não desfruta em seu país. Claro que tamanha ousadia – de expressar o que pensa numa ditadura – não se deu sem grandes riscos. Ela é vigiada 24 horas por dia, virou inimiga do "povo" e já sofreu até agressão física. Outros já tiveram destino pior, indo parar na cadeia ou no paredón. Se Yoani continua escrevendo em seu blog Generacion Y, isso se deve ao patamar de fama que ela conquistou. A revista Time a elegeu uma das cem pessoas mais influentes do mundo. Eliminar Yoani do mapa chamaria muita atenção internacional. Até mesmo cruéis ditadores são pragmáticos às vezes.

Enfrentando todas as dificuldades e perigos existentes, Yoani continua escrevendo seus artigos e relatando o dia a dia em Cuba, aquele distante dos turistas nas bonitas praias caribenhas. A ditadura cubana segrega o próprio povo, criando uma subclasse sem acesso legal aos bens e serviços que turistas usufruem. A própria internet não é permitida, e Yoani precisa passar por turista para conseguir acesso nos hotéis e publicar em seu blog. O simples ato de escrever é visto por ela como a "coisa mais arriscada" que fez na vida. O socialismo real nunca tolerou a liberdade de expressão.

Sobre as "maravilhas" da educação cubana, especificamente os cursos pré-universitários no campo, eis o que Yoani tem a dizer: "A improdutividade, a transmissão de doenças, a deterioração dos valores éticos e o baixo nível acadêmico fizeram sucumbir esse método educativo". Além disso, há uma intensa doutrinação ideológica, que força as crianças a repetir como o socialismo é incrível, enquanto observam à sua volta a realidade oposta. "A ideologização da educação cubana chegou a um ponto que alarma inclusive aqueles que, como nós, se formaram submetidos a esses mesmos métodos", diz Yoani.

A "fantástica" conquista no campo da saúde, quando sai da mitologia e volta à realidade, transforma-se em um estrondoso fracasso também. Os pacientes precisam levar tudo aos hospitais, desde baldes para limpeza, travesseiro, ventilador, até mesmo a linha de sutura para uma cirurgia. Faltam os remédios mais básicos. Até mesmo o "grande líder", quando ficou doente, mandou trazer médicos da Espanha para cuidar dele. A medicina cubana é uma vergonha.

Segundo Yoani, a tentativa autoritária de construir o "novo homem" produziu resultados inesperados: "Em vez de soldados de cenho franzido, engendrou apáticos, indiferentes, gente mascarada, balseiros, descrentes e jovens fascinados pelo material". O motivo é evidente, já que o "homem novo" não é tão diferente do resto dos seres humanos: "ele quer empregar o seu tempo e a sua energia em algo que resulte em prosperidade e bem-estar". São metas impossíveis sob o regime socialista. Yoani pergunta: "Querer viver em uma casa na qual o vento não consiga arrancar o teto vai deixar de ser – algum dia – uma fraqueza pequeno-burguesa?"

O risco de outros países latino-americanos seguirem os tristes passos cubanos, ainda que disfarçados de "democracia", não é ignorado por Yoani: "Desconfio tanto de quem desce uma montanha empunhando armas, quanto do eleito nas urnas que administra seu país como uma fazenda, como se tratasse da velha propriedade rural da família". Para ela, a pior combinação é quando coincidem – numa mesma pessoa – "as figuras do caudilho e do gorila armado". Os demagogos de camisas vermelhas, aspirantes a ditadores através de reeleições infinitas, ameaçam o que sobrou da liberdade no continente.

O tecido social cubano foi completamente esgarçado. Como explica Yoani, "existe uma maneira de infringir as leis, socialmente aceita, que consiste em roubar do Estado". Onde tudo é proibido, tudo passa a ser ligeiramente permitido. O povo cubano descobriu no mercado negro a única chance de sobrevivência, num país assolado pelo racionamento, escassez de alimentos básicos, apagões constantes, epidemias ocultadas pelo governo e tantas outras desgraças, enquanto a nomenklatura vive no ar condicionado com a geladeira cheia. A luta contra a desigualdade social resultou, na prática, na maior desigualdade já vista: em baixo, o povo todo miserável; em cima, os ricos governantes.

Enfim, sob todos os aspectos o experimento socialista cubano resultou numa catástrofe. Após a queda da URSS e a perda da "mesada" milionária, a ilha entrou no "Período Especial", fase em que até casca de banana passou a ser prato de luxo para muitos. Os petrodólares "bolivarianos" deram alguma sobrevida à economia, mas a situação é completamente precária. No lugar de educação, há uma doutrinação ideológica criminosa. A tão propalada saúde cubana não passa de um mito. E as mais básicas liberdades, como a de ir e vir, foram eliminadas pelos irmãos Castro, que encaram o povo como um rebanho bovino de sua propriedade.

Milhares de vidas sacrificadas no altar da Utopia, tantas outras perdidas na tentativa de migrar ilegalmente para Miami, e o restante todo na absoluta miséria e escravidão. Eis a realidade cubana, exposta por Yoani Sánchez, uma verdadeira intelectual, que tem coragem de desafiar uma ditadura assassina para não trair a verdade. Seu livro poderia muito bem se chamar Da Ilha-Presídio, com Coragem.

15 dezembro 2009

Ainda aquele velho assunto

Vamos preservar a natureza? Vamos! Eu topo! Aliás, começaria por reduzir aquele Carnaval em Copenhague. Aquelas milhares de pessoas que lá estão debatendo o clima — 90%, aposto, formam um bando de desocupados da mais absoluta irrelevância — ajudaram ou não a aquecer o planeta para chegar lá? Terão recorrido ao teletransporte? Se há gente patrulhando o bife que eu como, eu exijo que só se façam deslocamentos que queimem combustíveis se eles forem absolutamente necessários. Qual é o tamanho ideal de uma delegação? Há quase 50 mil pessoas na cidade só para discutir aquecimento… global! Trata-se de uma gente patética! Ou devo comer o bife com culpa para que eles possam viajar a Copenhague sem culpa?

Qual é? Qualquer reunião sobre o clima que não comece contestando a informação de que a atividade humana responde por algo em torno de 3% das emissões de carbono não é séria. E isso não será contestado porque o homem responde por umas sete ou oito toneladas de um total de quase 300 toneladas. E aí? Como todo milenarismo, este também despreza os fatos. Na hipótese de que haja mesmo um aquecimento, ainda que se eliminassem as emissões provocadas pelo homem, o planeta deixaria de aquecer?

Por que a confusão de Copenhague? Porque chegou a hora de toda essa loucura se converter em dinheiro, e a "culpa" do homem se transformou na "culpa" de países. Os pobres e emergentes dizem: "Temos direito às nossas emissões porque também queremos ser desenvolvidos". Os ricos respondem: "Mas quanto bem fizemos à humanidade enquanto emitíamos?" E alguns discursos hipócritas caíram por terra, não é? George W. Bush, o satã de plantão, não aderiu ao Protocolo de Kyoto por causa das metas vinculativas. E, na prática, Obama repete o seu comportamento. Percebeu o que seu antecessor já sabia: o Protocolo dos Sábios de Kyoto tinham um único alvo: os EUA.

Chegou a hora? Quem vai meter a mão no bolso? A reunião de Copenhague se transformou naquilo que estava destinada a ser: o chororô dos países mais pobres tentando arrancar uma grana dos ricos.

Agora é oficial

Acabo de saber que aquela história do hacker que invadiu os computadores da Universidade East Anglia, na Inglaterra, é real! Para que não acompanhou o assunto, a Universidade East Anglia é uma das principais referências técnicas para sustentar a causa antropogênica do aquecimento global, e seu ex-chefão, Phil Jones, é uma das estrelas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Há alguns dias, surgiu a suspeita de que um grupo de hackers havia invadido os computadores da universidade e publicado e-mails trocados entre cientistas que sugerem que há especialistas escondendo o fato de que ea temperatura global está caído.

O embuste foi desmascarado recentemente, quando a
National Snow and Ice Data Center revelou que, ao contrário do que dizem os alarmistas, há indícios de que o mundo não vai acabar, é que o gelo, em novembro deste ano, está bem acima da medição de novembro de 2006. Por exemplo: 10,26 milhões de quilômetros quadrados, o que significa 1,05 milhão de quilômetros quadrados abaixo do que havia entre 1979 e 2000, mas 420 mil quilômetros quadrados a mais do que o recorde negativo para o mês de novembro, que se deu em 2006.

Por alguma razão que os crentes da religião do Aquecimento Global dos Santos dos Últimos dias devem explicar, mesmo com o dedicado esforço da humanidade para destruir o planeta, o gelo resolveu crescer… Não é só no mês de novembro: vejam que o gelo nos últimos quatro meses deste ano está acima de igual período do ano passado.

Melhor assim, né? Quem sabe a gente não tenha mais urso branco navegando solitário, até a morte, num pedaço errante de gelo… Uma coisa que realmente parte o coração. E que paralisa a inteligência.

14 dezembro 2009

A fraternidade comunista


Eles começam abolindo a diferença de classes. Depois abolem as diferenças entre homens e mulheres. No fim, chegamos à fraternidade entre os homens.

Jamais fique só

Há algum tempo, o presidente Lula fez uma declaração que tem azia quando tenta ler alguma coisa. Uma declaração como essa é chocante para o Brasil como um país, mas é sincera e perfeitamente compreensível para o Brasil como sociedade.

Não fica nada bem o presidente de uma nação moderna sair por aí afirmando a sua aversão pela leitura, que é o centro dos processos educacionais. Mas, infelizmente, não é algo do outro mundo! É natural que uma pessoa criada em uma família brasileira ache que a leitura causa algum tipo de mal-estar.

Falamos muito na necessidade de ler e estudar, mas não examinamos criticamente as condições sociais mínimas que tais atos requerem. A maioria dos intelectuais brasileiros que conheço teve que lutar para ler um livro dentro de suas casas, independentemente do nível social. É que, se somos controlados pelo Brasil como país, com suas multas e dispositivos legais (que, sabemos bem, operam mais para os de baixo do que para os de cima); somos também vigiados pelas nossas famílias cujo princípio básico é evitar a solidão de seus membros. Qualquer tipo de isolamento ou de individualização, seja porque a pessoa fala pouco ou porque fica dentro do seu quarto (quando o tem), é tomado como sintoma de que algo não está bem.

Criamos nossos rebentos para que se tornem sociáveis e possam servir de exemplo para os mais jovens. Olhamos mais vertical do que horizontalmente. Dessa jaula de carinhos e favores feita por relações perpétuas (pois nem a morte rompe com elas), não há escapatória. Nossas crianças não podem ficar sozinhas. A todo momento um adulto as excita, solicitando um olhar ou sorriso. É enorme a carga social que despejamos uns nos outros. Disso resulta uma aversão à solidão que, no Brasil, é castigo. Na América eles ensinam como fazer amigos, no Brasil precisamos de um manual para aprender como podemos nos livrar daqueles que, por amor, nos sufocam.

É óbvio que uma pessoa assim socializada tenha dificuldades em ler e estudar, pois essas são atividades — como descobriram os monges e profetas — que demandam um mínimo de isolamento e autonomia; esses irmãos de um silêncio que é mandamento principal das bibliotecas e de todos os ambientes de leitura. Exceto, é claro, em nossas casas onde todos os que gostam de ler e estudar desenvolvem a incrível técnica de realizar isso conversando com parentes, criados e amigos porque não fica bem um isolamento, que é o primeiro sinal de loucura.

Quando lê, Lula sente azia. No meu caso era pior: eu tinha medo de ficar louco porque ouvi muitas vezes o vaticínio segundo o qual quem lê muito enlouquece porque fica com muitas ideias na cabeça! Isolar-se para ler por longas horas era complicado porque lhe batiam na porta; ou a abriam para "ver se estava tudo bem". Quer dizer, até hoje fazem isso! Quem nunca levou aquele susto de arrancar o coração quando, na única e legítima solidão de um banheiro, lia encantado algum livro pornográfico, até que uma bateção bíblica na porta o tirou do tal pecado solitário? Não é interessante e significativo que o nome do sexo consigo próprio, isso que afinal de contas é, quem sabe, a primeira experiência de um aprofundamento consciente de uma subjetividade consigo mesmo, seja chamado de "pecado solitário" entre nós? Quando aprendi o tremendo pecado desta atividade, não concordei com o "solitário", porque eu jamais estava só. Sempre, naquele tipo de solidão, tinha sempre alguém — irresistível e desejável — me acompanhando.

Lembro-me de uma vez que lia, trancado debaixo de sete chaves no banheiro lá de casa, o livro "A ceia de Cleópatra", uma descrição, digamos, ultranaturalista de um festim romano, quando bateram na porta. "O que está acontecendo aí dentro? Tá na hora de sair!", disseram com voz firme porque eu havia passado do tempo normal de ficar sozinho no banheiro. Saindo do transe, eu tive que me livrar de uma multidão. Principalmente de um monte de belíssimas patrícias e escravas romanas que me acariciavam e serviam.

Solitário uma ova! Eu estava, isso sim, num outro mundo.

Em suma: é mais ou menos proibido ficar sozinho no Brasil. Somos obrigamos a nos ligar uns com os outros todo o tempo, mesmo diante das coerções da vida urbana. A recusa ao relacionar-se ainda é considerada uma anomalia, uma antipatia ou uma anormalidade. Na rua, quem recusa a conversa fiada é o antipático modelar; em casa, é o doente mental em potencial. Estar "cismado", ensimesmado, trancado em si mesmo é sinônimo de raiva ou desequilíbrio emocional.

Nos Estados Unidos, dá-se o justo oposto. Falar como um mamangaio (cruzamento de uruguaio, argentino e paraguaio), conversar como um brazuca, é sintoma de ausência daquela concentração que permite os grandes feitos e faz parte da mitologia dos grandes cientistas, profetas e intelectuais. Representa a imagem menos abonadora ou bonita da Carmen Miranda. Pois todos saíram do mundo, aceitaram a solidão, tornaram-se sós por força de um ideal ou crença e, numa outra etapa, retornaram ao mundo social triunfantes, reconhecidos como grandes. Tal como ocorreu com Robson Crusoé ou, melhor ainda, com Edmond Dantés, o Conde de Monte Cristo, para que o período fora do mundo foi essencial para seu triunfo junto à sociedade. Já, entre nós, o isolamento autoimposto pelas circunstâncias da desonra matrimonial num Maciel transforma-o num Antonio Conselheiro, num "gnóstico bronco", no dizer de Euclides da Cunha.

Moral da história: jamais fique só.

Tenha sempre uma turma, uma seita.

De preferência seja dela o chefete ou mentor ou presidente. O isolamento é sinal de perturbação. Os laços sociais são prescritivos e inevitáveis.

Fora deles, sem grupo ou partido, você não existe e nada pode. Agora, convenhamos que numa sociedade assim constituída ficam complicados a leitura e o estudo. Bem como a velha e gozosa solidão…

12 dezembro 2009

Os brancos e o Apartheid

Há algum tempo escrevi um texto intitulado "Bantustões ou Batustolas" que denunciava os disparates da política de distribuição de terras do governo federal ao supostos remanescentes dos quilombos brasileiros, os quilombolas. Na ocasião eu frisei a importância de elevarmos o debate sobre as ações afirmativas do nosso governo a um novo plano, a fim de evitar que o nosso país acabe dividido em castas, onde uns tem mais direitos do que outros em função do lugar que ocupam dentro da sociedade. Talvez seja tarde para falar sobre isso, pois hoje eu tenho a impressão de que o 'cidadão comum e branco' é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afro descendentes, homossexuais ou se auto-declarem pertencentes à minorias submetidas a possíveis preconceitos.

Tanto é assim que se um branco, um índio ou um afro descendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles o que, em outras palavras, quer dizer que em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.


Graças a política de redistribuição de terras do governo do PT, menos de meio milhão de índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também - passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto os outros 183 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% dele. Nesta exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não índios foram discriminados.


Aos quilombolas, que deveriam ser apenas os descendentes dos participantes de quilombos, e não os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada uma parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito. Sé é que existe alguém, nos dias de hoje, que se enquadra nesse conceito.


Os homossexuais também tiveram o seu quinhão assegurado quando obtiveram, do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef, o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências, algo que um cidadão comum jamais conseguiria.


Os invasores de terras que violentam, diariamente, a Constituição Federal, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que o governo considera meritória uma conduta que consistente em agredir o direito.


Trata-se de clara discriminação as avessas, onde a vítima é cidadão comum, desempregado, que não tem este'privilégio', porque não pertence a nenhuma minoria. Desertores e assassinos que no passado participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Não quero causar espanto, mas já está em torno de 4 bilhões de reais o valor que é retirado dos pagadores de tributos para 'ressarcir' àqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos. E pensar que de todas as ditaduras sul-americanas, a brasileira foi uma das menos nocivas!


Enfim, são tantas as discriminações que é de se perguntar: de que vale o inciso IV do art. 3º da Lei Suprema, que diz: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"? Será que ainda tem alguma serventia nessas terras?

José Padilha e o debate sobre o Bolsa Família

O cineasta José Padilha, diretor dos premiados "Tropa de elite" e "Ônibus 174", terminou esse ano de rodar "Garapa", um documentário que mostra o dia-a-dia de três famílias famintas do interior do Ceará. Em relação ao filme, ele disse à Folha de S. Paulo: "É eticamente inadmissível que alguém, no grupo dos beneficiados históricos deste país, olhe para os miseráveis que não têm o que comer e diga que os R$ 58 que o governo dá a eles são uma política errada". Mais adiante, acrescentou que o valor do benefício era insuficiente para matar a fome daquelas famílias.

Ele está absolutamente certo ao fazer as duas afirmações.

Mas absolutamente errado ao acreditar que o Bolsa Família, tal como está posto, seja a solução do problema. A enorme abrangência do programa pode ser contraproducente.

Citando uma pesquisa sobre segurança alimentar, feita pelo Ibase entre os beneficiários do Bolsa Família, divulgada há pouco, Padilha disse que 11,5 milhões de brasileiros estão na mesma situação daquela em que vivem as três famílias de "Garapa". Esse tipo de pesquisa, porém, ao contrário do que o nome sugere, não é capaz de comprovar se a fome existe de fato na população pesquisada. Com perguntas que comportam apenas um "sim" ou "não", a pesquisa apenas registra o que informam os entrevistados sobre a própria segurança alimentar. Há uma ou duas perguntas bem objetivas, como esta: "Nos últimos três meses, os alimentos acabaram antes que os moradores tivessem dinheiro para comprar mais comida?" Mas, na maior parte, as perguntas medem mais expectativas, temores, frustrações. Dou um exemplo: "Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio tiveram a preocupação de que os alimentos acabassem antes de poderem comprar ou receber mais comida?" Outra pergunta: "Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada?"

Com perguntas assim, a pesquisa concluiu que 21% dos beneficiários (11,5 milhões de pessoas), têm insegurança alimentar grave (fome), 34%, moderada (restrição na quantidade de alimentos) e 28%, leve (não há falta de alimentos, mas o temor de que venha a faltar). Feita exclusivamente entre os beneficiários do Bolsa Família, a pesquisa pode gerar uma distorção: conhecendo os objetivos do programa, talvez os beneficiários respondam de modo a continuar a merecer o benefício. Não considero esse ponto decisivo, porém. Pesquisas de segurança alimentar são feitas de tal modo que, mesmo quando feitas na população geral, o índice dos que se declaram em situação de insegurança alimentar é sempre alto. Aqui e no mundo.

A pesquisa brasileira é inspirada numa metodologia aplicada anualmente nos EUA desde 1995. Lá, o governo federal gastou no ano passado US$ 53,3 bi com programas de distribuição de comida aos mais pobres, sendo US$ 33,2 bi com o Food Stamps, um programa que distribui cartões magnéticos a quem esteja abaixo da linha de pobreza, utilizados para adquirir apenas comida em lojas credenciadas (no Bolsa Família, o beneficiário pode comprar o que quiser). São 26,5 milhões de beneficiários, que recebem, em média, US$ 214 por família. Mesmo assim, em 2006, os números da pesquisa americana foram desconcertantes: lá existem 35,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, sendo que 11,1 milhões em insegurança alimentar grave (em termos absolutos, o mesmo resultado encontrado aqui). Já disse antes, e repito: se nem na nação mais próspera do planeta, com os seus programas assistenciais multimilionários, a insegurança alimentar foi resolvida, o problema não é do país, mas do conceito de insegurança alimentar.

O único método viável de comprovar a existência de fome em grandes grupos populacionais é pesando e medindo as pessoas. Porque, se a ingestão de calorias for menor do que a necessária, o indivíduo emagrecerá: a relação peso/altura mostrará esse emagrecimento, e, se ele for superior a certos limites, a fome estará comprovada. Para adultos, a OMS considera aceitável um índice de até 5% de emagrecidos, porque, estatisticamente, esta é a proporção de indivíduos magros por natureza em qualquer grupo. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, realizada entre 2002 e 2003 (antes, portanto, do Bolsa Família) mediu e pesou os brasileiros e encontrou um índice de magros de 4%, dentro da normalidade abaixo do permitido, portanto (no Haiti, o índice foi de 19%, na Etiópia, de 38% e, na Índia, de 49%).

No Brasil, em alguns poucos estratos populacionais, o índice foi levemente superior a 5%: sempre mulheres, de uma maneira geral da zona rural (o pico foi o Nordeste, com 7,2%) das faixas de renda mais baixas (o pico foi a faixa de 1/4 de salário mínimo, com 8,5%). Assim, nesses dois casos extremos, podia-se falar em fome em 2,2% das mulheres da zona rural do Nordeste e em 3,5% das mulheres na faixa de renda mais baixa. Os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), realizada em 2006 e divulgada na última quinta-feira, mostram, porém, que essa situação já foi superada. No Brasil, o índice de mulheres emagrecidas foi de 3,5% e em nenhuma região alcançou 5%. O índice só ultrapassou ligeiramente os 5% entre as mulheres sem escolaridade (5,3%) e com mais de seis filhos (6%).

Mesmo entre as crianças, a notícia é excelente. A desnutrição aguda é também medida pela relação peso/altura, mas, para elas, o índice aceitável é de até 3%, o que corresponderia a crianças geneticamente magras. O índice encontrado pela PNDS foi de apenas 1,6%, ou seja: é virtualmente nula a fome em crianças no Brasil. A desnutrição crônica é medida pela relação altura/idade, que, segundo a pesquisa, “expressa o crescimento linear da criança e, nesta medida, sintetiza a história do seu estado nutricional, do nascimento (ou mesmo antes) até o momento atual, refletindo o aporte de energia, de macronutrientes e de vitaminas e minerais.” Em outras palavras, é uma relação que traz mais as marcas do passado. O índice aceitável é de até 3%, o que corresponde à proporção de crianças geneticamente pequenas. No Brasil, o índice despencou de 13,4%, em 1996, para 6,8% em 2006, menos da metade do índice do México (15,5%) e menor do que o da Argentina (8,2%). Ainda há fome no Brasil? Sim, o que é uma tragédia, mas uma tragédia na casa das centenas de milhares, nunca na casa dos milhões.

O filme de Padilha chama-se "Garapa" porque este é o nome da mistura de água e açúcar que as famílias como a que ele retratou dão a seus filhos quando não há alimentos. Uma pesadelo. Mas que não tem as dimensões que ele acredita. A POF não detectou em nenhum estrato da população (nem mesmo nos de baixíssima renda) dietas à base de garapa.

Por que a abrangência do Bolsa Família pode estar sendo contraproducente? Porque o programa distribui um dinheiro pequeno a 46 milhões de pessoas, na suposição de que todas passam fome. Se o programa fosse mais bem dimensionado, o dinheiro dado aos que, de fato, não tem comida poderia ser substancialmente maior a um custo total substancialmente menor. Em vez de R$ 10,8 bi, o Bolsa Família poderia gastar, sei lá, 20% disso, dando muito mais a quem precisa e investindo o restante em educação, único instrumento que tira de fato o pobre da pobreza.

Como é de praxe na mídia militante, Padilha usou três famílias que passam fome como exemplo de 11 milhões, induzido ouros milhares de famílias brasileiras ao erro pela leitura equivocada de uma pesquisa. Se não fizer as ressalvas, o filme não será a sua volta ao documentário, mas a sua permanência na ficção.

11 dezembro 2009

A moral das esquerdas

Embora tudo o que esteja em curso seja uma porcaria e indique um mosaico de misérias morais das mais diferentes origens, confesso que, intelectualmente, momentos assim são importantes porque nos permitem recuperar alguns princípios. Mas por que estou dizendo isso? Nos últimos dias me deparei com alguns canalhas que não se conformam com a defesa que fiz da expulsão de José Roberto Arruda no Instituto Millenium. Juízes de minhas vontades secretas, dizem que o faço apenas para afetar uma independência que eu não tenho. Como não sou de esquerda, não posso pedir a punição imediata de desmandos praticados por um sujeito de "direita". Julgam-me pelos mesmos critérios com os quais medem a si mesmos.

Quem não se lembra de Marilena Chaui e Wanderley Guilherme dos Santos, "intelectuais do PT" — o que é um oximoro clamoroso —, alegando que a investigação do mensalão petista era uma tentativa de golpe. Em uma entrevista recente, Lula reforçou a tese do golpe, negou a existência do crime e ainda sugeriu que Marcos Valério foi plantado no PT pelo PSDB só para desestabilizar seu governo.

Com um líder tão controvertido quanto este, é natural que eles se sintam confusos diante da minha defesa do impeachment de Arruda. Eles, os petistas, costumam defender os seus bandidos com uma desenvoltura ímpar e não compreendem que aqueles a quem consideram adversários não defendam os "deles". Não conseguem enxergar a política senão segundo a ótica do crime. E acreditam que os supostos crimes dos oponentes justificam as suas próprias trapaças. SÃO AMORAIS E HIPÓCRITAS! É NÃO É DE HOJE QUE EU VENHO DIZENDO ISSO.

Quando era mais jovem, li "Moral e Revolução", de por Leon Trotski, e fiquei admirado com a forma como a moral era reduzida a sua dimensão prática. Enfim compreendi que os movimentos e intelectuais de esquerda SÓ conseguem conceber a moral segundo a perspectiva aplicada, isto é, da moral revolucionária. Se eu tivésse me dado conta do óbvio contindo nessa afirmação, teria me poupado de horas e horas de discussão com estudantes de inspiração marxista que acreditam piamente que os fins justificam quaisquer meios.

A partir daí, fui assaltado por uma nova dúvida: por que será que os trotkistas tem tamanha ojeriza dos stalinistas? Está claro que Stálin, o grande inimigo de Trotsky, operava com os mesmos critérios, com a diferença de que havia sido mais hábil na aplicação do amoralismo. EM SUMA: TROTSKY, PERSEGUIDO POR STÁLIN (ATÉ SER ASSASSINADO EM 1940), ERA UMA VÍTIMA PRÁTICA DE SUA PRÓPRIA TEORIA. E ambos haviam bebido na mesma fonte: Lênin — o pai primitivo de todos os amorais contemporâneos.

Mas por que estou falando sobre isso? Bom, tenho um verdadeiro pavor das pessoas que se assenhoram (a variante "assenhoreiam" é horrível) da história e passam a comandá-la em nome de qualquer uma dessas ilusões que se vendem por aí: bem comum, bem da humanidade, novo homem, nova civilização. Antigamente chamavam esse tipo de coisa de "socialismo", "luta de classes" e etc, hoje chamam de qualquer coisa, desde que convenha ao partido e seus membros. Não que o partido , que neste caso é o PT, sonhe com um socialismo como aquele que houve no século 20. É claro que não! São petistas, mas não são burros. A única coisa que conservam da visão bolchevista é a idéia do partido autoritário, centralizador, gestor do futuro. Infelizmente, para tornar este sonho possível, trouxeram consigo aquela velha moral enviesada que só atende aos seus próprios propósitos. Enfim, essa coisa de criar um moral para si e outra para "eles", seja lá quem "eles" forem, é coisa de gente canalha e mau-caráter.

Quando Lula afirmou que, no Brasil, Cristo faria um acordo com Judas para governar, não estava apenas expressando uma estupidez religiosa — já que Judas não simboliza o "outro" o "adversário", mas sim a traição - ele também estava expressando a sua filiação a um pensamento político, malgrado sua ignorância exemplar, que já tem história. Leiam um trecho que transcrevo de Moral e Revolução. Neste ponto, Trotsky está combatendo, calculem!, um grupo minoritário de esquerda que havia censurado o uso da mentira e da violência como armas políticas:

Mas a mentira e a violência por acaso não são coisas condenáveis "em si mesmas"? Por certo, como é condenável a sociedade dividida em classes que a engendra. A sociedade sem antagonismos sociais será, evidentemente, sem mentira e sem violência. Mas não é possível lançar um ponte para senão com métodos violentos. A própria revolução é o produto da sociedade dividida em classes, da qual ela leva necessariamente a marca. Do ponto de vista das "verdades eternas" a revolução é naturalmente "imoral". Mas isto significa apenas que a moral idealista é contra-revolucionária, isto é, encontra-se a serviço dos exploradores.

Está claro, não? A síntese poderia ser esta: se as classes sociais existem, então tudo nos (aos socialistas) é permitido. Como se nota acima, qualquer brutalidade que os revolucionários viessem a cometer seria responsabilidade dos fatores antecedentes que levaram à revolução. Ora, não preciso conduzir nenhum de vocês pelo braço, como Virgílio fez com Dante nos círculos do inferno, para que se reconheça ali a moral dos petistas, que os levou a defender o mensalão e os mensaleiros. Eles tinham um objetivo, e o que fizeram de detestável para alcançá-lo deveria ser creditado na conta do inimigo. Num texto eivado de horrores, destaco mais um:

O meio não pode ser justificado senão pelo fim. Mas também o fim precisa de justificação. Do ponto de vista do marxismo, que exprime os interesses históricos do proletariado, o fim está justificado se levar ao reforço do poder do homem sobre a natureza e à supressão do poder do homem sobre o homem.

Tentando ser espertinho ao jogar com a máxima maquiavélica, Trotsky apenas lhe acrescenta mais horror. A pergunta desde logo óbvia é esta: e quem julga se os meios A ou B conduziram mesmo àquele fim edificante. Stálin não teve dúvida: “Deixem que eu julgo!” E mandou meter uma picareta na cabeça de Trotsky. ELE FOI ASSASSINADO PELA REVOLUCIONÁRIA MORAL BOLCHEVIQUE, NÃO PELA IDEALISTA MORAL BURGUESA.

Mas, então, tudo é permitido àquele que se julga na vanguarda da história e do processo revolucionário? Deixemos que Trotsky responda:


Isto significa então que, para atingir este fim, tudo é permitido? - pergunta sarcásticamente o filisteu, demonstrando que não entendeu nada. É permitido, responderemos, tudo aquilo que leve realmente a libertação dos homens. Já que este fim não pode ser atingido senão pela via revolucionária e a moral emancipadora do proletariado tem necessariamente um caráter revolucionário. Como aos dogmas da religão, esta moral se opõe a todos os fetiches do idealismo, gerdames filosoficos da classe dominante. Ela deduz as normas de conduta das leis de desenvolvimento social, isto é, antes de tudo, da luta de classes, que é a lei das leis.

Está claro? Qualquer que seja o horror, alegue tratar-se de uma moral emancipadora, libertadora, de caráter revolucionário. E o próprio Trotsky pergunta, como se fosse dúvida de um moralista idiota qualquer: "São permitidos todos os meios? A mentira, a falsificação, a traição, o assassinato"? E Trotsky responde:

São admissíveis e obrigatórios apenas os meios que aumentam a coesão do proletariado, inflamam sua consciência com o um ódio inextinguivel a toda forma de opresão, ensinam-lhe a desprezar a moral oficial e seus arautos democráticos, dão-lhe plena consciência de sua missão histórica e aumentam sua coragem e abnegação. Donde se conclui afinal que nem todos os meios são válidos.
A conclusão do parágrafo é própria de um grande vigarista, uma vez que os únicos meios não-válidos seriam aqueles que não conduzem ao fim pretendido. Mas a indagação sempre se refere, ora bolas, ao fim. Logo, para Trotsky — e para as esquerdas de modo geral — TODOS OS MEIOS SÃO VÁLIDOS: a mentira, a falsificação, a traição, o assassinato...

Há essa altura, já está claro que existe a moral "deles", das esquerdas, e a "nossa" (das pessoas que não se julgam acima do bem e do mal). Eles, porque se julgam líderes de um "projeto", de um amanhã sorridente — ou que nome tenha assumido a vigarice revolucionária — acreditam que todos os meios lhes são lícitos, permitidos, convenientes. Eu, pobrezinho, já tenho uma moral mais "burguesa", sabem?, mais "idealista", que advoga a universalidade de certos direitos e do bem de certos procedimentos. Não acho, por exemplo, que se deva condescender com a mentira, com a falsificação, com a traição, com o assassinato... E nem com o mensalão, seja ele do PT ou do DEM. Quando dona Marilena Chaui e sua vassoura teórica inventaram que denunciar o mensalão do PT era golpe, estava apenas recorrendo à moral torta de que nos fala Trotsky, aquela segundo a qual, se o "objetivo é revolucionário" (e os petistas acreditam mesmo que estão fazendo uma revolução), então todos os meios são válidos, porque se tornam também revolucionários, já que foram imantados por aqueles propósitos grandiosos, cheios de amanhãs sorridentes. Eu, com a minha moral burguesa, acho que mensalão de Arruda é só um caso de polícia.

Em suma, o fato de aqueles petistas não terem vergonha na cara não me convida a perder a minha vergonha também. Que eles defendam seus criminosos! Não tenho criminosos a defender!

08 dezembro 2009

Fazendo jabá

O jabá desta semana vai para o jornalista Antônio Roberto Batista e o sua excelente resenha sobre o mais novo livro de Antônio Paim. O título do texto é "O livro vermelhor de Antônio Paim" e, apesar de ser um pouco longo, vale à pena ler.

O livro vermelho de Antônio Paim

por Antônio Roberto Batista

Acaba de surgir no meio especializado brasileiro uma obra pouco comum, gestada por longo período e que havia sido prevista, inicialmente, para lançamento no mercado livreiro português. Denomina-se "Marxismo e Descendência" e inaugura a Coleção História & Pensamento da Vide Editorial. Nasce da pena de um renomado professor de filosofia política, com trajetória intelectual capaz de tornar atraente e interessante um tema, em princípio, bastante difícil.

O Prof. Antonio Ferreira Paim conduziu suas mais recentes pesquisas, para o desenvolvimento do tema, durante longas permanências em Portugal, onde ministrava cursos sobre o pensamento político luso-brasileiro. O estilo, já conhecido de outras obras como, por exemplo, o clássico "A Querela do Estatismo", corresponde ao seu perfil de historiador das idéias, tornando a leitura muito mais palatável do que se mergulhasse apenas nos meandros teóricos, sem acompanhá-los com o relato dos fatos ilustrativos. Segundo revela em recente entrevista concedida, tratava-se de uma pendência que vinha de longa data, desde quando rompeu, com considerável risco pessoal, seu vínculo com o Partido Comunista, morando ainda na União Soviética e necessitando encontrar maneira de "sair" de lá, com mulher e filha, o que só foi possível graças à corajosa interferência de um diplomata brasileiro. Encontrava-se estudando na Universidade de Lemonosov, centro qualificado do pensamento marxista soviético onde, segundo revela com um misto de humor e melancolia, estava sendo preparado para ser um "bolchevique sem alma". Corria, então, o ano de 1958. Mas só agora, depois de uma longa jornada que o consagrou como pensador liberal e vigoroso defensor da democracia representativa, o Prof. Paim retorna ao tema para uma análise desapaixonada do marxismo como modelo de pensamento, em busca, com diz, de acertar suas contas, avaliando alguns porquês e incongruências do tema, inclusive a notória diversidade presente num pensamento supostamente rigoroso, "científico" e totalizante. Durante a entrevista feita, com a participação do Prof. Paulo Kramer, este destaca, reforçando a visão de Paim, que no Brasil como na Rússia o marxismo acaba por funcionar como um avatar do patrimonialismo.

O livro está dividido em três partes: Doutrina marxista do Estado; Doutrina marxista da Sociedade e Doutrina marxista do Pensamento.

Na primeira parte Paim estuda, primordialmente, a forma assumida pelo marxismo soviético, impregnado do patrimonialismo tradicional russo, radicalizando as piores facetas do czarismo e demonstra, cabalmente, que todo o arcabouço totalitário foi organizado minuciosamente pela batuta de Lênin e não, como muitas vezes se argumenta, por um desvio stalinista acidental e posterior. Surpreende verificar que o "camarada Stalin", sem prejuízo da sua atividade genocida, manteve produção teórica constante no sentido de explicitar diversos aspectos do ideário marxista. Seu interesse pela "lingüística" é sugestivo do formato e da trajetória que viria a marcar a produção intelectual de notórios seguidores até os dias de hoje.

Na segunda parte, centrada, principalmente, no exemplo francês, Paim discute a faceta cientificista do marxismo e como foi desenvolvida uma relação de simbiose com a cultura francesa. A formação e trajetória do Partido Comunista Francês, que chegou a ser o maior dessa natureza no Ocidente, é relatada com certo detalhe, inclusive a forma truculenta como se apossaram da máquina partidária socialista, enquanto na Alemanha resistiam com sucesso os Democratas Sociais. É curioso observar como um partido nacional de tamanha importância teve como marca fundamental a submissão absoluta aos ditames da potência soviética. Vale acompanhar, não apenas as tumultuadas relações de Marx com os seus próprios inspiradores (em especial o caso de Proudhon), como as relações complementares, no plano teórico, que a herança saint-simoniana e positivista, particularmente na sociologia, exerceram sobre a mentalidade intelectual francesa, suprindo a insuficiência marxista original. Paim se vale dos brilhantes estudos de Raymond Aron sobre o tema e se refere à crítica epistemológica de Karl Popper, ambas demolidoras das pretensões do marxismo como ciência, mas que ilustram bem a sua inserção na mentalidade cientificista. Duas curiosidades a nosso ver: a desmistificação do tão decantado episódio da Comuna de Paris, que Paim já cita na apresentação do livro e demonstra nada ter a ver com o roteiro marxista da história, sendo uma mera revolta da Guarda Nacional; e uma interessante análise de como o marxismo passou a influenciar o ambiente intelectual francês e, conseqüentemente, de quem o assumiu como produto de consumo onde, possivelmente, se enquadrem muitos dos nossos mais pernósticos acadêmicos.

A terceira parte do livro, da Doutrina Marxista do Pensamento, apesar do título, mantém uma abordagem narrativa paralela à discussão conceitual, de leitura agradável, onde vamos identificando as origens de certos marcos, tanto do marxismo como proposta filosófica, como das adaptações sofridas em benefício de diversas conveniências político-revolucionárias. A trajetória percorrida por O Capital, como obra inacabada e ajustada, posteriormente, por Engels é apenas um dos relatos. A forma agressiva como a ortodoxia leninista se impôs, inclusive com o virulento e desrespeitoso ataque de Lênin a Karl Kaustky, até então reconhecido como grande expoente ocidental do marxismo é significativo da fusão inevitável da doutrina com um projeto totalitário. O padrão intolerante do debate já tinha antecedentes no próprio Marx. Em todas as circunstâncias que se viriam a apresentar, a eliminação de uma idéia e a eliminação do portador da idéia tornou-se, cada vez mais, uma marca central da doutrina aplicada. Paim relata e explica, nesse contexto, o nascimento do que se convencionou chamar "vulgata marxista".

É nessa terceira parte que o autor se estende, mais claramente, à denominada descendência pois, embora os descendentes imediatos já estejam presentes no caso soviético e francês, segue-se uma abordagem da variante italiana, inclusive a contribuição supervalorizada de Gramsci, uma análise das manifestações da Escola de Frankfurt, incluindo o caso tão especial quanto repulsivo do marcuseanismo, de funestas conseqüências e, acrescento eu, possível responsável pela paixão que os nossos marxistas locais devotam ao que Marx denominava de lumpem. O autor não aprofunda, mas localiza bem o encontro realizado, no espaço das variantes frankfurtianas, entre marxismo e freudianismo. Não se esquece do Brasil, onde tais influências se fizeram sentir fortemente, embora nem sempre nominadas. Põe em discussão, também, como bem ressalta durante a entrevista a que nos referimos, a tentativa de utilização "neutra" da análise marxista no desenvolvimento da tão comentada Teologia da Libertação. Esse é um ponto crucial da discussão: é possível o uso neutro do método marxista, quando o próprio Marx, assim como os positivistas, concebia a sua doutrina como algo que exigia aplicação integral à realidade, tanto na componente interpretativa quanto prescritiva?

Para cada uma das grandes partes em que se encontra dividida a obra, Paim extrai uma ou mais conclusões básicas e formula questões pendentes que mereceriam meditação. Para a primeira parte, Paim conclui que, na verdade, inexiste uma teoria do Estado no marxismo e cita o professor Norberto Bobbio, sentenciando que há apenas uma crítica ao chamado Estado burguês que cumpre destruir, mas não se avança numa proposta definida de Estado, sequer do modelo intermediário que precederia a sua extinção pela sociedade sem classes. Na segunda parte, rica no relato das tramas intelectuais e políticas, o questionamento proposto é mais simples: o marxismo esgota-se no cientificismo? Ao que Paim responde negativamente, dadas as pretensões muito mais amplas da doutrina, às suas raízes e diálogos com o idealismo alemão e com isso nos remete à terceira parte. O encerramento da terceira parte do livro e sua pergunta final é, por certo, a conclusão mais grave a que nos conduz a alentada obra. Depois de interrogar se o marxismo seria, afinal, um tipo de messianismo, a pergunta proposta é: pode, o marxismo, coexistir com outras correntes de pensamento? A prática política parece demonstrar, que onde o seu domínio partidário se implanta, faz-se mister eliminar toda a divergência.

Com essa obra, o Prof. Antonio Paim alcança cumprir plenamente a sua aspiração de ajustar, definitivamente, suas contas com a corrente de pensamento que empolgou tantos intelectuais nos anos da sua juventude. Como ele nos diz, após o primeiro choque causado nos militantes, através do famoso Relatório Kruchov, mesmo assim "uns largaram e outros não largaram". Para alguns de nós, o mais atraente do seu relato é justamente o retrato histórico que contém, ilustrando a forma como uma doutrina, transformada em ortodoxia de Estado e graças à sua contínua reinterpretação, gera tão renitentes resistências à democracia representativa e responde por tantas catástrofes econômicas, humanas e sociais.

O livro está à venda no site www.videeditorial.com.br.

05 dezembro 2009

Qual é o verdadeiro Lula?

Reinaldo Azevedo pouco-a-pouco vai confrontando o Lula de hoje com o Lula de ontem (aqui, aqui e aqui). O nosso querido Tio Rei tirou do baú uma entrevista de Lula à revista Playboy em 1979, onde o nosso presidente aparece com toda a sua graça (ou seria desgraça?). Ao confrontar o depoimento do Lula de 1979 com aquele que é apresentado no filme hagiográfico de 2009, ficamos com a impressão que um dos dois é mentiroso. Resta-nos então descobrir qual é o verdadeiro Lula, o inconsequente e tosco de 1979 ou o coached de 2009.

A PEC do jornalismo

Há muito eu me pergunto a razão da escolha do nome Democratas para substituir o antigo Partido da Frente Liberal. A princípio achei a escolha infeliz porque associa o que eu julgava ser partido de direita no Brasil com um partideco de esquerda dos EUA. Antes fosse só isso! Está claro que o que eles queriam mesmo era tirar o "L" da nomenklatura. O "L" de Liberal, o "L" de Liberdade.

Ontem vi no Blog do Senador Agripino Maia uma defesa asquerosa da PEC do jornalismo, que foi recem aprovada pela CCJ do Senado. Para quem não sabe do que se trata, a PEC pretende derrubar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a profissão de Jornalista não pode requerer diploma, nem ser exclusiva dos diplomados em jornalismo.

Não sei se Maia defende a liberdade de expressão ou se a sua crença é menor que o seu interesse no corporativismo da classe (que possivelmente rende mais votos que a honestidade intelectual,) mas me parece que essa PEC é um esforço inútil porque a vai contra o Artigo Quinto da Constituição Federal e eu duvido que haja algum político com coragem suficiente para afrontá-lo. Uma vez aprovada a estúpida PEC, provoca-se o STF e este logo determinará que a mesma é inconstitucional. Analfabetismo Moral com Analfabetismo Jurídico só podia dar nisso mesmo!

02 dezembro 2009

Vai um gelinho aí?

Como não me canso de dizer, o "aquecimento global" é uma das fraudes mais descaradas dos últimos tempos. Hoje eu fiquei sabendo, através do cardeno de notíciais do Estadão, que a nevasca que confinou os cientistas brasileiros na Estação Comandante Ferraz no último domingo, foi uma manifestação da primavera mais fria registrada nos últimos 11 anos na Antátida. Detalhe: quem forneceu a informação foi o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mantém uma base meteorológica nos arredores da estação.

Os números do fechamento de novembro apareceram num quadro de avisos da estação, e contêm, além do recorde de frio na região para o século 21, as informações de que o mês de novembro foi 2°C mais frio que a média para o período; já o ano de 2009 está 1°C abaixo da média histórica. Curioso, não acham?

A causa exata desse resfriamento da parte mais fria da Terra ainda é motivo de debates e pesquisas, mas com a folga na nevasca os pesquisadores em Ferraz, mais de 50, retomam plenamente suas atividades já na manhã desta quarta-feira.

Se as coisas continuarem no pé em que estão, a única espécie que entrará em extinsão em decorrência do aquecimento global [sic] serão os banhistas que não dispensam uma boa praia nos finais de semana.

Nem tão distântes assim

Um dia desses eu tive o desprazer de assistir a alguns trechos da propaganda gratuita do PCdoB na TV. No papel principal, atuava a bela deputada gaúcha Manuela D’'vila. A mulher abjurava o capitalismo, o neoliberalismo (seja lá o que isso for), a globalização e ainda cantava loas ao modelo socialista – o único, segundo ela, capaz de promover a justiça social, o fim das desigualdades e blablablá. Nenhuma menção, evidentemente, aos inumeráveis crimes, atrocidades e mazelas econômicas que seu venerado sistema de organização social produziu mundo afora, durante todo o século XX.

Enquanto ouvia aquela jovem mulher gritar o indefectível festival de clichês e jargões, lembrei-me de uma determinada professora universitária da UNISUAM, no Rio de Janeiro, para quem a adoção das políticas neoliberais marcou uma fase de aproximação com o fascismo. Para provar que nada poderia estar mais longe da verdade, recorri ao trabalho do brilhante escritor francês Jean-François Revel, que num de seus últimos livros – A Grande Parada – traçou o mais completo paralelo que conheço entre os dois modelos totalitários que mais produziram cadáveres e mutilações em toda a história, e explicou por que, enquanto o nazismo segue sendo, com inteira justiça, demonizado por todos os homens de bem, o comunismo, que comprovadamente produziu muito mais vítimas, permanece idolatrado por uma multidão de ignorantes, ingênuos e outros tantos rpfessores universitários hipócritas.

Revel demonstrou, num trabalho magnífico de pesquisa histórica e jornalística, temperado por sua verve direta e implacável, como o revisionismo comunista encontra-se disseminado na literatura, na história, na mídia e na política, especialmente depois da queda do muro de Berlim. Além disso, mostrou de forma cruel como os próceres da esquerda – sejam filósofos, políticos, historiadores, jornalistas e intelectuais em geral – agem para criar um sem-número de teorias escapatórias para as atrocidades comunistas, a grande maioria delas propondo-se a tentar desvincular os indeléveis crimes do passado – e do presente – daquilo que apelidaram de "ideal socialista".

Em sua magnífica obra, Revel desmonta cada um dos inúmeros sofismas e falácias da esquerda, além de demonstrar cabalmente que, malgrado a retórica rebuscada dos seus ideólogos, a realidade é que "nenhuma das justificativas apresentadas, desde 1917, a favor do comunismo, resistiu à sua aplicação; nenhum dos objetivos que ele se propunha atingir foi atingido; nem a liberdade, nem a prosperidade, nem a igualdade, nem a justiça, nem a paz". Apesar disso, essa erva daninha talvez nunca tenha sido tão ferozmente protegida, por tantos implacáveis defensores, como após o naufrágio soviético.

"Se alguém quiser estudar um sistema mental que funcione inteiramente dissociado dos fatos e elimine imediatamente qualquer informação que contrarie sua visão de mundo", escreve Revel, "deve estudar a mente dos comunistas. São laboratórios insuperáveis". Alguns podem até reconhecer a existência de uns poucos fatos abomináveis, mas sempre enfatizando que tais fatos não guardam qualquer relação com a essência do comunismo. Seriam, no máximo, uma perversão do sistema, mas jamais uma decorrência dele.

A repressão em campos de concentração ou em cárceres diversos, os processos sumários e fraudulentos, os expurgos assassinos, as ondas de fome provocadas por programas estupidamente planejados e pavorosamente executados acompanharam todos os regimes socialistas, sem exceção, ao longo da história. E Revel questiona: "Será que a verdadeira essência do comunismo reside no que jamais foi, ou nunca produziu? Que sistema é esse, que dizem ser o melhor, porém dotado dessa propriedade sobrenatural de nunca conseguir colocar em prática senão o contrário do que prega? Que linda cerejeira será essa, na qual, por um acaso incompreensível, só brotam cogumelos venenosos?"

É inútil tentar descobrir qual dos regimes totalitários do século XX foi o mais bárbaro, porque ambos impuseram a tirania, o pensamento unificado e deixaram como herança uma montanha de cadáveres. O parentesco do comunismo com o nazismo é, para a esquerda em geral, um tema sempre delicado e, como qualquer tabu, sabiamente escamoteado. Por exemplo, quando um ideólogo marxista, como Stalin, se comporta como um carrasco nazista, a explicação é simples: a culpa é do personagem e de seu caráter perverso, nunca do sistema. Stalin seria então um verdadeiro nazista, apenas fantasiado de comunista.

Para que se tenha uma idéia de como pode ser dramática a inversão de valores produzida pelos sofistas da esquerda, quase sempre utilizando aquela verborragia "politicamente correta", basta lembrar que aos olhos da maioria do público mundo afora, os grandes vilões da atualidade, estigmatizados e vitimados pelos mais sórdidos preconceitos, somos justamente nós, os malvados neoliberais – alguns raros e teimosos abnegados, que ainda insistem na luta para desmascarar os verdugos da liberdade e fulminar seus sórdidos subterfúgios.

A propósito: antes que os red caps fiquem alvoroçados, gostaria de deixar claro que usei o termo neoliberal de forma irônica. Não reconheço esse termo e acho uma estúpidez sem tamanho recorrer a ele para classificar os liberais clássicos.

Mas, voltando ao assunto... Não importa que o comunismo, com seu amontoado de trapaças ideológicas, continue matando pessoas no Tibete, na Coréia do Norte, na China ou em Cuba. Não importa tampouco que ele continue sendo uma importantíssima ferramenta nas mãos de tiranos, sempre dispostos a instalar regimes de opressão em nome da defesa dos oprimidos – como ocorre amiúde em diversos países latino-americanos.

Embora seja indelével a identidade e a afinidade, em essência, entre o comunismo e o nazismo, existe uma diferença importante a distinguir nos dois modelos. Como muito bem lembrado por Revel, "Hitler desde sempre demonstrou sua hostilidade à democracia, à liberdade de expressão e de cultura, ao pluralismo político e sindical. Além disso, nunca escondeu sua ideologia racista e (...) anti-semita. Por conseguinte, partidários e adversários do nazismo situavam-se, desde o começo, de um lado ou de outro de uma linha divisória traçada nitidamente". Em resumo, não houve decepções com o nazismo, já que seu líder cumpriu fielmente o que prometera.

Já o comunismo é diferente, "pois emprega a dissimulação ideológica, veiculada pela utopia. Promete a abundância e provoca miséria; promete a liberdade, mas impõe a servidão; promete a igualdade e leva à mais desigual das sociedades – com a nomenklatura, classe privilegiada a tal ponto como jamais se conheceu, nem mesmo nas comunidades feudais. Ele promete ainda respeito à vida humana, mas realiza execuções em massa; promete o acesso de todos à cultura, mas leva ao embrutecimento generalizado; promete o 'novo homem', mas o fossiliza".

O nazismo, portanto, abriu o jogo desde o início. Já o comunismo é insidioso e sempre se escondeu atrás da utopia. "Isso lhe permite satisfazer o apetite pela dominação e pela servidão sob o disfarce da generosidade e do amor à liberdade, perpetrar a desigualdade sob o manto do igualitarismo. O totalitarismo mais eficaz, portanto", fulmina Jean-François, "o problema não está naquele que faz o Mal em nome do Mal, mas naquele que faz o Mal em nome do Bem".

***

Após a publicação, em 1997, de O Livro Negro do Comunismo, um trabalho histórico científico que expôs de forma insofismável os crimes do totalitarismo comunista, a defesa da esquerda se concentrou na materialidade desses crimes tentando, como diria Trostki, justificar os meios pelos seus fins (ver A Moral e a Revolução). Funciona mais ou menos assim, quando confrontada com a natureza bárbara dos crimes cometidos sob o regime comunista, eles, os comunistas, invocam a pureza de motivos que havia determinado a sua perpetração. A mesma velha história! Desde os primeiros instantes da revolução bolchevique, tivemos que engolir, ad nauseum, essa "insípida poção", resume Revel.

O nazismo e o comunismo cometeram atrocidades comparáveis, tanto por sua extensão quanto por seus pretextos ideológicos. Isso não foi, entretanto, resultado de uma "coincidência fortuita de comportamentos aberrantes". Ocorreu, muito pelo contrário, porque ambos comungavam os mesmos princípios e idéias fundamentais, sedimentados por convicções pétreas, e – mais importante! – empregavam o mesmo modus operandi. É emblemático o fato – aliás, inconteste – de que tanto uma ideologia quanto a outra sempre defenderam – e nunca esconderam isso – a tese de que os fins justificam quaisquer meios.

O socialismo, segundo Revel, "não é mais ou menos de esquerda do que o nazismo". A característica fundamental de ambos "é que seus dirigentes, convencidos de serem detentores da verdade absoluta e de comandarem o curso da história, sentem-se no direito de destruir os dissidentes, reais ou potenciais, as raças, categorias profissionais ou culturais, que lhes parecem entravar (...) a consecução de seus supremos desígnios".

Por isso, prossegue Revel, "tentar distinguir entre os dois regimes totalitários, atribuir-lhes diferentes méritos em função do afastamento de suas superestruturas ideológicas, em vez de constatar a identidade de seus comportamentos reais é bem estranho, principalmente vindo da parte dos socialistas, que deveriam ter lido Marx um pouco melhor. Não se pode julgar, dizia ele, uma sociedade pela ideologia que lhe serve de pretexto, assim como não se julga uma pessoa pela opinião que ela tem de si mesma".

"O próprio Adolf Hitler foi um dos primeiros a saber captar as afinidades entre o comunismo e o nacional-socialismo. Ele certamente não ignorava que uma estratégia política é julgada por seus atos e métodos e não pelos adornos de oratória ou pelos 'pompons' filosóficos que a cercam. Ele declara a Hermann Rauschning, que o relata em Hitler me disse, livro lançado ainda em 1939:

"Aprendi muito com o marxismo e não pretendo escondê-lo (...). O que despertou interesse nos marxistas e me forneceu ensinamentos foram seus métodos. (...) Todo o nacional-socialismo está lá contido. Veja bem: os grêmios operários de ginástica, as células empreendedoras, os desfiles monumentais, os folhetos de propaganda redigidos em linguagem de fácil compreensão pelas massas. Esses novos métodos da luta política foram praticamente todos inventados pelos marxistas. Eu só precisei me apoderar deles e desenvolvê-los para conseguir assim os instrumentos de que necessitávamos...".


Pode ser um tanto surpreendente para alguns – principalmente em virtude da habilidade com que a intelligentsia esquerdista contorce e escamoteia os fatos históricos – encontrarmos a mesma linha filosófica em Karl Marx e Adolf Hitler, contra quem, a propósito, é chocante a ingratidão dos atuais pensadores socialistas. Num livro de entrevistas de Otto Wagener, também citado por Revel, Hitler é incisivo:

"Agora que terminou a era do individualismo, nossa tarefa é encontrar o caminho que leva ao socialismo sem revolução. Marx e Lênin enxergaram perfeitamente o objetivo, mas escolheram o caminho errado".


Se o Führer comungava com Marx a opinião sobre a necessidade de mutilar o individualismo, não é menos emblemática a convergência de ambos acerca do anti-semitismo. Num ensaio muito pouco conhecido – Sobre a Questão Judaica –, mas que Hitler certamente leu com toda atenção, a ponto de tê-lo praticamente plagiado em algumas passagens, Karl Marx desfere contra os judeus uma torrente de insultos coléricos, como estes:

"Qual é a origem profana do judaísmo? A necessidade prática, a cupidez. Qual é o culto profano do judeu? O comércio. Quem é o seu Deus? O dinheiro".


Além disso, para o profeta, o comunismo seria "a organização social que faria desaparecer as condições para o comércio e tornaria o judeu inviável". Vemos aí, claramente, a origem do ódio incontido – tanto de nazistas quanto de comunistas – ao povo judeu. Ódio este que, diga-se de passagem, perdura até os dias de hoje.

Judeu ou não, entretanto, é nitidamente o indivíduo, seja na ideologia nazista ou comunista, quem deve ser aniquilado. Aniquilação essa que, como ensina Revel, "é a própria aniquilação do ser humano, que nunca existiu de outra forma, que não individualmente".

Muito embora o parentesco entre essas duas sórdidas ideologias seja incontestável sob muitos aspectos, além da ululante semelhança entre suas estruturas de poder e seus aparatos repressivos, permanece latente a recusa sistemática de qualquer paralelo entre elas. Segundo Jean-François, essa recusa peremptória, aliada à execração diária de um nazismo dito de direita, "serve de anteparo protetor contra um exame mais apurado do comunismo". Ou ainda, nas palavras de Alain Besançon, citado por Revel: "a hipermnésia do nazismo desvia a atenção da amnésia do comunismo".


(*) Este não é um artigo acadêmico, portanto, não me esforcei minimamente para refutar a tese absurda daquela professora que disse que o nascituro do neoliberalismo [sic] era o fascismo. Minha intenção com este artigo era apenas demonstrar que os socialistas tentam, de todas as formas possíveis e imagináveis, impingir aos liberais uma associação com o nazismo e o fascismo que eles próprios esconderam por anos à fio.