A repugnante frase do então governador de São Paulo, Orestes Quércia – "Quebrei o Estado, mas elegi meu sucessor" –, tem tudo para virar fichinha perto dos abusos do presidente Lula para tentar eleger Dilma Rousseff.
Protegido pela couraça da popularidade e há muito só com olhos nas eleições, Lula age sem qualquer limite. Jamais desce do palanque e lança seus dardos para todos os lados. Agride a fiscalização do Tribunal de Contas da União, que "paralisa o país", zomba da Justiça Eleitoral e culpa terceiros quando seus tiros acham os pés.
Faz o que não deveria e não poderia. E livre, leve e solto, sem oposição que lhe puxe os freios, ainda acusa a imprensa de só noticiar os malfeitos.
Lula consegue até o aval do adversário, o pré-candidato tucano José Serra, que, com a mesma tortuosidade de raciocínio, taxou de "leviandade em matéria jornalística" as críticas que recebe e, assim como Lula, reclamou de não ver notícias positivas de seu governo. Ambos fingem que não sabem a diferença entre jornalismo e publicidade, embora gastem fortunas no segundo item.
Às leis e às instituições, o presidente parece não ter lá muito apreço. Trata-as sempre de acordo com sua conveniência. A Justiça torna-se injusta quando lhe desagrada. O Congresso Nacional - o mesmo que ele dizia abrigar "300 picaretas" – tem valor se lhe é dócil e servil, e vira o culpado da vez quando atua com alguma independência.
Basta lembrar a votação que extinguiu a CPMF ou a recente alteração, pela Câmara dos Deputados, da divisão dos royalties do petróleo, que golpeou de morte o Rio de Janeiro do aliado Sérgio Cabral (PMDB). Foi Lula quem antecipou o debate sobre o pré-sal, insistindo na urgência urgentíssima do projeto que ele enxergava como trunfo eleitoral. Como a flecha cravou o alvo errado, o culpado passou a ser o Parlamento.
Lula transfere culpas com a mesma naturalidade com que infringe leis. Na última quarta-feira, de uma só vez jogou no lixo a legislação eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um dos pilares da estabilidade econômica.
Ao anunciar que enviará ao Congresso uma proposta de lei que, a exemplo do que já fizera com o PAC, classificará como transferência obrigatória repasses para prefeituras inadimplentes, Lula não só rasgou a LRF, como incentivou o seu descumprimento. O efeito perverso da idéia vai ainda mais longe, pois é sabido que indulto a devedores acaba por penalizar os que se esforçam para manter seus pagamentos em dia.
Sob qualquer ótica, é inadmissível que um presidente da República estimule ilegalidades. Mas Lula parece fazê-lo sem pestanejar. Opta pelas vistas grossas quanto às invasões do MST, tergiversa sobre o envolvimento dos seus em escândalos, protege aliados a qualquer custo, até mesmo alguns malversadores confessos. José Sarney, Renan Calheiros, Delúbio Soares e outros tantos que o digam.
Se estimular a ilegalidade já choca, pior ainda é cometê-la.
No palanque em que mimou prefeitos mal pagadores e no dia seguinte, em Tatuí, no interior de São Paulo, Lula voltou a fazer chacota da Justiça Eleitoral, que já lhe imputou duas multas por propaganda antecipada. Explicou que estava proibido de dizer o nome de sua candidata - deixa malandra e ensaiada para que a platéia, em delírio, entoe o coro: "Dilma, Dilma".
Irrisórias ou não, as penalidades, aplicadas meses depois dos delitos, são incapazes de inibir Lula de protagonizar propaganda eleitoral explícita, com recursos públicos, nos palanques do governo.
Da mesma forma, parece não se importar com a quebradeira moral que patrocina e o tamanho da pendura que está deixando para o futuro. Mas também isso não tem a menor importância para quem só pensa em eleger o seu sucessor.
Perto de Lula, Quércia é quase um ingênuo.
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