28 março 2010
Por uma Dilma mais livre e um Lula mais trabalhador
A caminho da banca rota
A repugnante frase do então governador de São Paulo, Orestes Quércia – "Quebrei o Estado, mas elegi meu sucessor" –, tem tudo para virar fichinha perto dos abusos do presidente Lula para tentar eleger Dilma Rousseff.
Protegido pela couraça da popularidade e há muito só com olhos nas eleições, Lula age sem qualquer limite. Jamais desce do palanque e lança seus dardos para todos os lados. Agride a fiscalização do Tribunal de Contas da União, que "paralisa o país", zomba da Justiça Eleitoral e culpa terceiros quando seus tiros acham os pés.
Faz o que não deveria e não poderia. E livre, leve e solto, sem oposição que lhe puxe os freios, ainda acusa a imprensa de só noticiar os malfeitos.
Lula consegue até o aval do adversário, o pré-candidato tucano José Serra, que, com a mesma tortuosidade de raciocínio, taxou de "leviandade em matéria jornalística" as críticas que recebe e, assim como Lula, reclamou de não ver notícias positivas de seu governo. Ambos fingem que não sabem a diferença entre jornalismo e publicidade, embora gastem fortunas no segundo item.
Às leis e às instituições, o presidente parece não ter lá muito apreço. Trata-as sempre de acordo com sua conveniência. A Justiça torna-se injusta quando lhe desagrada. O Congresso Nacional - o mesmo que ele dizia abrigar "300 picaretas" – tem valor se lhe é dócil e servil, e vira o culpado da vez quando atua com alguma independência.
Basta lembrar a votação que extinguiu a CPMF ou a recente alteração, pela Câmara dos Deputados, da divisão dos royalties do petróleo, que golpeou de morte o Rio de Janeiro do aliado Sérgio Cabral (PMDB). Foi Lula quem antecipou o debate sobre o pré-sal, insistindo na urgência urgentíssima do projeto que ele enxergava como trunfo eleitoral. Como a flecha cravou o alvo errado, o culpado passou a ser o Parlamento.
Lula transfere culpas com a mesma naturalidade com que infringe leis. Na última quarta-feira, de uma só vez jogou no lixo a legislação eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um dos pilares da estabilidade econômica.
Ao anunciar que enviará ao Congresso uma proposta de lei que, a exemplo do que já fizera com o PAC, classificará como transferência obrigatória repasses para prefeituras inadimplentes, Lula não só rasgou a LRF, como incentivou o seu descumprimento. O efeito perverso da idéia vai ainda mais longe, pois é sabido que indulto a devedores acaba por penalizar os que se esforçam para manter seus pagamentos em dia.
Sob qualquer ótica, é inadmissível que um presidente da República estimule ilegalidades. Mas Lula parece fazê-lo sem pestanejar. Opta pelas vistas grossas quanto às invasões do MST, tergiversa sobre o envolvimento dos seus em escândalos, protege aliados a qualquer custo, até mesmo alguns malversadores confessos. José Sarney, Renan Calheiros, Delúbio Soares e outros tantos que o digam.
Se estimular a ilegalidade já choca, pior ainda é cometê-la.
No palanque em que mimou prefeitos mal pagadores e no dia seguinte, em Tatuí, no interior de São Paulo, Lula voltou a fazer chacota da Justiça Eleitoral, que já lhe imputou duas multas por propaganda antecipada. Explicou que estava proibido de dizer o nome de sua candidata - deixa malandra e ensaiada para que a platéia, em delírio, entoe o coro: "Dilma, Dilma".
Irrisórias ou não, as penalidades, aplicadas meses depois dos delitos, são incapazes de inibir Lula de protagonizar propaganda eleitoral explícita, com recursos públicos, nos palanques do governo.
Da mesma forma, parece não se importar com a quebradeira moral que patrocina e o tamanho da pendura que está deixando para o futuro. Mas também isso não tem a menor importância para quem só pensa em eleger o seu sucessor.
Perto de Lula, Quércia é quase um ingênuo.
16 março 2010
Podem tirar o cavalinho da chuva
Pode parecer prematuro uma declaração de voto a seis meses da eleição. No entanto, nas últimas 72 horas fui assediado por mais de meia dúzia de movimentos, sites, conjunto de blogs e quetais, todos se apresentando como "anti-Dilma". Apesar da participação de pessoas bem intencionadas, estes assédios configuram claramente um disfarçado movimento pró-Serra. Testei alguns destes convites dizendo que não estava interessado em nada que beneficiasse tucanos, e a resposta invariavelmente foi: existe alguma alternativa ao PT, além de José Serra?
Originou-se num destes movimentos - um que reúne uma imensa quantidade de blogs - um email com a comparação entre as biografias de Dilma e Serra, em que a primeira é mostrada como o diabo em pessoa e o segundo como um anjo que desceu nos céus para nos livrar da ditadura petista. Quem conhece a biográfia de José Serra, sabe que isso não passa de uma mentira deslavada. De uma lado, um injustiçado perseguido sem nenhuma razão pelos sanguinários militares. De outro, uma terrorista, assassina, ladra e tudo o mais. Sim, Dilma foi tudo isto e seu lugar deveria ser a cadeia e não o Planalto. Mas quem é mais execrável: ela, que colocou sua vida em risco na luta aberta, ou Serra que, de um gostoso e confortável exílio se converteu em uma ispiração para as ações revolucionárias que as dilmas e os dilmos da Ação Popular Marxista Leninista do Brasil executavam? Corre na boca miúda que o candidato tucano teria, inclusive, liderado ações terroristas do seu exílio. Não sei se isso é verdade, mas não me surpreenderia se amanhã ou depois, descobrissemos que Serra não é esse anjo de candura que pitam.
Não tenho a mínima intenção influenciar quem quer que seja, mas é preciso que se diga a verdade: Serra não é, e nunca foi, um candidato de direita. Ao contrário, ele sempre teve afinidades com partidos e movimentos políticos de esquerda . Consta que numa declaração a revista Piauí, o governador de São Paulo afirmou que ele era um político "ainda mais a esquerda do que o presidente Lula" e a julgar pela sua tragetória político, deve ser verdade!
Como autêntico liberal-conservador à moda antiga, acredito que só homens livres, capazes de pensar por si mesmos, de forma independente e autônoma, podem construir uma ordem nacional e internacional realmente livre. Não aceito - e desdenho - de movimentos coletivistas de quaisquer orientações ideológicas, que estão destruindo nosso País. Por isto, peço encarecidamente que se abstenham de me convidar para outros movimentos deste tipo. Ficarão simplesmente sem resposta!
12 março 2010
Ainda a Emenda Ibsen
Lula diz que seria melhor esperar as eleições para discutir sobre partilha dos roylaties do pré-sal
Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta sexta (12), em Curitiba, que, quando apresentou a proposta do novo marco regulatório para a exploração de petróleo na camada pré-sal, ponderou com os partidos políticos que não seria importante discutir este ano a distribuição dos royalties por se tratar de um ano eleitoral.
"As pessoas acham que cada um vai fazer o jogo que interessa eleitoralmente à sua região e não ao Brasil", argumentou. Segundo o presidente, foi feito um acordo entre as lideranças de todos os partidos políticos para que se chegasse a uma determinada composição na distribuição dos royalties e este acordo não foi cumprido.
"Vamos aguardar para ver qual o tempo que o Senado levará para votar. Vamos ver se será o tempo que um projeto de urgência permite. Sei que tem gente entrando com recurso no Supremo Tribunal Federal alegando inconstitucionalidade".
Lula não poupou os governadores que criticam a forma de distribuição diferenciada prevista na emenda do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). "O momento não é de briga, mas de conversa, de diálogo. O petróleo é de boa qualidade e tem muita quantidade, não é preciso brigar, vamos deixar que prevaleça o bom-senso".
Em rápida entrevista, depois que visitou a fábrica de computadores Positivo Informática, o presidente voltou a criticar a indústria automobilística que, segundo ele, no auge da crise financeira, deu “uma parada muito brusca em seus investimentos por orientação de suas matrizes”.
O Brasil, lembrou o presidente, em março de 2009 já começou a bater recordes de vendas de carros novos e este ano repetiu este recorde e, para ele, não havia motivos para a produção ficar parada. Lula disse que vários setores, mesmo com investimentos garantidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), resolveram paralisar devido às incertezas. "Somente quem não parou foi o governo", afirmou.
"Na hora que a crise surgiu, tomamos a decisão de aumentar os investimentos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], da Petrobras e garantir mais crédito e financiamentos no Brasil. O ministro Guido [Mantega, da Fazenda] tem toda razão. Terminamos o ano de forma extraordinária e com perspectiva de crescimento excepcional para 2010".
Durante a visita à fábrica, o presidente se disse satisfeito com a média da idade dos funcionários, em torno de 25 anos, sendo que 70% são mulheres. A empresa, criada em 1989, emprega cerca de 5,8 mil funcionários em três fábricas, localizadas em Curitiba, Manaus e Ilhéus (BA). "Essa empresa, que é líder na produção brasileira de computadores [com 6 milhões de unidades por ano] começou a crescer graças ao programa Computador para Todos e isso me deixa orgulhoso. Brasileiro fazendo o Brasil crescer".
* * *
Comentar o que depois disso? E ainda tem gente que jura com os dois pés juntos que o PT é um partido idôneo!
Até tu, Ibsen?
Não é minha intenção tratar da cena ridícula protagonizada pelo governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (PMDB – RJ), em uma palestra na PUC, mas sim falar das conseqüências práticas da aprovação da Emenda Ibsen. Chorar por causa dos royalties do petróleo me parece coisa de gente sensível demais, que faz dumping com a própria emoção.
O Rio já havia sido prejudicado por um substitutivo aprovado em dezembro do ano passado, destinando 44% da receita obtida com os royalties para os estados não-produtores. Essa negociação reduziu a fatia da União de 41% para 20% e deixou o governo do Estado do Rio de Janeiro com apenas 25% da sua receita original. Cálculos do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) apontam que a emenda Ibsen aumentará a perda de receita anual dos 87 municípios, que vai cair de R$ 2,65 bilhões para R$ 180 milhões e fará com que o governo do estado deixe de receber outros R$ 4,9 bilhões em um ano.
Como podemos ver, a Emenda Ibsen não leva em conta que as cidades e os estados que estão sob a influência da exploração de petróleo arcam com os custos sociais decorrentes da atividade, como: crescimento desordenado, demanda por moradias, escolas, infra-estrutura etc. Além, é claro, das perdas ambientais. A exploração da camada do pré-sal irá liberar milhares de metros cúbicos de gás carbônico em nossos mares, provocando a morte de dezenas de espécies marítimas e aumentando consideravelmente a emissão de gases do efeito estufa. Fico me perguntando como o Brasil pretende cumprir a meta aprovada no COP-15, em Copenhagen, de diminuir as emissões de monóxido de carbono até 2015? Onde estará o ministro do meio-ambiente e seus coletinhos multicoloridos para protestar contra esse crime de lesa humanidade?
Os defensores da Emenda Ibsen, alegam que o petróleo está situado em uma área que pertence a União, portanto, todas as unidades federativas têm direito aos lucros aferidos com a sua exploração. Parece uma tese razoável, mas basta um exame preliminar para perceber que se trata de uma estultice. Por esse raciossímio, Rio de Janeiro e Espírito Santo tem direito a uma parte dos lucros obtidos através da exploração das jazidas de ouro em Eldorado dos Carajás, da produção de energia na hidroelétrica de Itaipu e das patentes de medicamentos oriundas da Floresta Amazônica. Enfim... É uma tese estúpida; baseada num igualitarismo tolo e retrogrado!
O governo federal afirma que é contra essa emenda e o líder do PT na Câmara, deputado Candido Vacarezza (PT – SP), já adiantou que o presidente Lula irá vetar a proposta e restabelecer as regras atuais. Talvez eu esteja sendo cético e até pessimista, mas não acredito na palavra dos petistas. Se o governo queria manter o acordo firmado com os estados produtores, por que não mobilizou a sua gigantesca base aliada e deixou claro qual era a sua vontade, a exemplo do que fez tantas outras vezes? Sem esse empenho, era evidente que os deputados fariam embaixada para seu eleitorado.
No fim das contas, esse imbróglio acabou prejudicando o PT e ajudando a oposição, pois Lula acabou ficando numa saia justa daquelas. Se o presidente quiser honrar o acordo firmado com os estados produtores, terá de ir contra 369 parlamentares que votaram a favor da Emenda para fazer média com os seus eleitores. Já imaginaram o custo político desse veto? Esperemos que assim como das outras vezes, Lula confie na sua inabalável popularidade de 240% e faça prevalecer a sua vontade. Afinal, governar também é contrariar, não é?
* Em 1994, o deputado Ibsen Pinheiro, teve seu mandato cassado pela CPI que investigava as irregularidades no Orçamento da União. A revista Veja, cobriu o assunto e publicou um artigo cuja chamada era "Até tu, Ibsen", o mesmo título desse post.
Os fatos... Sempre os fatos
O presidente Lula quer fazer uma campanha sucessória plebiscitária, na qual o povo poderá escolher entre "eles" e "nós", referindo-se ao seu antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, se a análise histórica for menos imediatista, o governo petista se sai muito mal na foto, a despeito do imagem que Lula tem de si próprio e de seu governo.
O professor titular de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Reinaldo Gonçalves fez um estudo sobre a evolução da renda no Brasil segundo o mandato presidencial, mostrando a performance da economia brasileira em 120 anos de História da República (1890 a 2009). O professor não analisou apenas a economia interna, como também a participação do Brasil na economia mundial. Em ambos os critérios, o governo Lula teve um desempenho medíocre. A taxa média de crescimento real do PIB brasileiro nesse período foi de 4,5%, e a taxa do governo Lula foi de 3,6%, ficando em 21 lugar entre 29 governos.
Mesmo que o crescimento tenha melhorado em comparação ao governo FHC — o governo Fernando Henrique teve uma média de crescimento do PIB de 2,29% — a participação média do PIB do Brasil no PIB mundial caiu de 2,93% no governo FHC para 2,74% no governo Lula. É preciso ressaltar que o governo Lula (2003-09) tem, até o momento, a nona taxa mais baixa de crescimento econômico. O fraco desempenho dos petistas na administração do país, teve consequências. Graças ao presidente Lula, o país precisará de 20 anos para duplicar o seu PIB, quando a taxa secular é de duplicação do PIB em 16 anos.
No período 1890-2009, a economia mundial cresceu à taxa média anual de 3,14%, o que significa que, ao longo do período analisado, o Brasil tem conseguido avançar no processo de desenvolvimento econômico, com uma tendência crescente de participação na economia mundial. Entretanto, Gonçalves ressalta que este processo somente começou nos anos 1920 devido ao fraco desempenho e à instabilidade da economia brasileira no período que vai da proclamação da República até o pós-Primeira Grande Guerra. O "salto quântico" de desenvolvimento, de acordo com o professor, é dado pelo presidente Getulio Vargas no entreguerras:
"No período de praticamente meio século que vai de 1930 até 1979, a economia brasileira apresenta taxas de crescimento econômico de longo prazo significativamente elevadas".De fato, o país já teve períodos de crescimento de níveis asiáticos: de 1950 a 1959, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; e de 1970 a 1979, de 8,78%. O maior crescimento do PIB foi de 13,97% em 1973, no auge do "milagre econômico", mas taxas de dois dígitos são exceções, aconteceram somente em seis anos.
Nos últimos 30 anos, no entanto, a economia brasileira tem tido um desempenho relativamente fraco em comparação com o conjunto da economia mundial e, principalmente, com o subconjunto de países em desenvolvimento. De 1990 a 2003, o crescimento médio foi de 1,8%; de 80 a 2003, 2%. Restringindo a análise ao primeiro conjunto, Reinaldo Gonçalves observa "clara tendência" de queda da participação brasileira no PIB mundial a partir de 1980.
Em 2002, esta participação era de 2,81% e, em 2009, era de 2,79%, próxima daquela observada quase quarenta anos antes, no início dos anos 1970. Na análise do professor de economia da UFRJ, o governo Luiz Inácio Lula da Silva se beneficiou de uma conjuntura extraordinariamente favorável no período de 2003 até meados de 2008, mas foi frustrado pela crise global, que teve forte impacto sobre a economia brasileira (queda do PIB de 0,2% em 2009 anunciada ontem).
Em que pese o discurso do governo "completamente descolado da realidade", o PIB negativo é o resultado de uma série de erros na política de ajuste fiscal, a instabilidade e o nível da taxa de câmbio, nível da taxa de juros e regressividade do estímulo fiscal. Enquanto o mundo todo estava baixando os juros praticamente em tempo real, o Brasil estava sossegado, confiando nas sábias palavras do seu líder que dizia que tudo não passava de uma "marolinha". Ao fim e ao cabo, as evidências mostraram que Lula estava equivocado e o desempenho da economia brasileira se mostrou pífio.
Por fim, Gonçalves afirma que comparando o governo Lula ao governo FHC, chegamos a conclusão que ambos foram igualmente medíocres. Em 2002, último ano do segundo mandato de Fernando Henrique, a participação do Brasil no PIB mundial foi de 2,81%, e, em 2009, a participação brasileira ficou em 2,79%. O professor Reinaldo Gonçalves atribui o fracasso à "similaridade de modelos de desenvolvimento e de políticas econômicas".
E ainda tem que negue esse fato!
11 março 2010
Entre Goering e Bobbio
O presidente Lula precisa escolher: Norberto Bobbio ou Hermann Goering. Bobbio passou a vida a afirmar que existem direitos humanos, e que estes encarnam conquistas civilizatórias que devem ser defendidas em qualquer tempo, em qualquer lugar. Goering passou todo o julgamento de Nuremberg afirmando que não cometera nenhum crime, apenas cumprira as leis alemãs, e que estas, por mais desumanas que parecessem a outros povos, só diziam respeito aos próprios alemães. Em nome de quê ─ perguntava aos juízes ─ vocês pretendem julgar os atos do governo nazista? A resposta que lhe foi dada é bastante simples: em nome de um conjunto de valores que encarnam a idéia de civilização.
Desses valores decorre a idéia de que existem direitos humanos ─ que não se aplicam apenas aos camaradas que, depois de matar dois ou três “lacaios da burguesia”, fogem da Itália para o Brasil. Aplicam-se a todos os cidadãos do planeta, inclusive aos infelizes cubanos. Foi em nome desses valores que se criou a ONU (com aquela desejável cadeira permanente no Conselho de Segurança…). É em nome desses valores que jornalistas do mundo todo denunciam, há meio século, o encarceramento e a morte dos cidadãos que ousam discordar do governo em Cuba, assim como denunciavam, no passado, as prisões e mortes sob a ditadura militar brasileira.
O presidente precisa decidir: ele agia como bandido quando lutava contra a ditadura ─ ou o direito dos cidadãos de resistir à tirania é um valor universal? O direito de greve deve existir em qualquer país ou só no ABC paulista? Qualquer dirigente sindical preso por leis ditatoriais tem direito de fazer greve de fome, ou esse é um direito exclusivo dos sindicalistas brasileiros que se chamem Lula? Que conselho Lula daria a Nelson Mandela se este, em vez de ser prisioneiro na África do Sul, tivesse a infelicidade de ser prisioneiro em Cuba? Lula precisa escolher: de que lado quer entrar para a História?
10 março 2010
Olho por olho, dente por dente, imposto por imposto
Há quem diga que o livre comércio tem que ser recíproco para ser benéfico. Bastiat afirmava que pessoas com essa mentalidade são protecionistas em princípio, mesmo que não reconheçam, e são apenas mais inconsistentes que os protecionistas puros, que são por sua vez mais inconsistentes que os defensores da abolição completa de produtos estrangeiros. Para provar seu argumento, ele utilizava uma fábula sobre duas cidades, Stulta e Puera, que construíram uma grande estrada as conectando. Após o término da construção, Stulta teria reclamado que os produtos de Puera estavam inundando o seu mercado e encarregou alguns funcionários de zelar pela obstrução do tráfego dos importados (nascia aí o cargo de fiscal alfandegario). Logo em seguida Puera fez o mesmo e o resultado, como vocês podem imaginar, foi mutuamente perverso.
As coisas iam de mal à pior, até que um homem velho de Puera, suspeito até de receber pagamento secreto de Stulta, disse que os obstáculos criados por Stulta eram maléficos a Puera e os obstáculos criados pela própria Puera eram igualmente maléficos. Uma pena! O homem completou seu raciocínio dizendo que não havia nada que pudessem fazer quanto ao primeiro problema, mas que poderiam solucionar a outra parte, criada por eles mesmos. Houve forte reação, e o acusaram de sonhador, utópico e até "entreguista". Alegaram que seria mais difícil ir do que vir pela estrada, ou seja, exportar do que importar. Isso colocaria Puera em desvantagem em relação à Stulta, assim como as cidades na beira dos rios estão em desvantagem frente às montanhosas, já que é mais complicado subir que descer.
Mas havia uma voz que dizia que as cidades na beira dos rios prosperavam mais que as cidades montanhosas. A tese causou muito alvoroço e fez com que todo o povo se pusesse a pensar e a discutir um assunto que outrora, só era abordado pelos políticos. Infelizmente, a reação das pessoas não era boa. Imbuídas de um viés ideologico difícil de apagar, elas redarguiam dizendo que aquilo era um absurdo e terminavam insultando o homem de todas as formas possíveis e imaginaveis. No entanto, não havia como discordar! Os habitantes de Puera estavam diante de um fato histórico: as cidades contruidas nas margens dos rios, de fato, prosperavam mais do que aquelas que estavam fincadas no alto das montanhas. Embora a natureza desse fato fosse inquestionável, os governantes de Puera decidiram que tais cidades tinham prosperado contra as regras, e optaram pela manutenção dos obstáculos, em nome da "independência nacional" e da proteção da indústria doméstica contra a competição "selvagem". Naturalmente, os consumidores de ambas as cidades continuaram sendo sacrificados para o benefício de alguns produtores privilegiados, como sempre ocorre nas medidas protecionistas.
Eis a lógica da batalha comercial entre governo americano e governo brasileiro. O governo americano oferece subsídios ao algodão, prejudicando seus próprios consumidores e os produtores brasileiros. Como resposta, o governo brasileiro resolve tornar inúmeros produtos americanos mais caros aos consumidores brasileiros. Agora temos produtores de algodão e consumidores de diversos produtos importados sendo prejudicados em nome dos interesses comerciais de duas nações que não levaram em conta o interesse dos seus cidadãos. É assim mesmo! Na guerra comercial, quem sai perdendo somos eu e você.
O governo brasileiro, vítima de ranço mercantilista, pode sté achar que está retaliando o "inimigo" numa batalha comercial. Mas, na prática, está apenas dando um tiro no pé dos próprios brasileiros.