20 maio 2010

Porque uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa

Essa semana José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva foram à Marcha dos Prefeitos, em Brasília, onde fizeram exposições e responderam a perguntas. Os organizadores da marcha pretendiam exibir uma animação narrando a saga de um prefeito com um "pires na mão", em busca de verbas para o seu município. Mas, infelizmente, a fita não foi rodada. Por quê? Ora, porque a assessoria de Dilma Rousseff enxergou no enredo um quê de antigovernismo e bateu o pé: Ou Dilma ou a fita.

O famigerado vídeo pode ser assistido lá no alto. Ele expõe um flagelo comum a todos os governos, não apenas à gestão Lula. A película conta, passo a passo, a trilha que o prefeito tem de percorrer para obter verbas federais. Primeiro, o prefeito tem que recolher as demandas dos munícipes. Depois, precisa contatar seus aliados no Congresso, aguardar a aprovação de emendas no Orçamento da União, viajar para a Capital Federal "uma, duas, três vezes" para obter a liberação das verbas e por fim, entregar uma montanha de documentos na Caixa.

Na versão do vídeo, a primeira parcela da emenda parlamentar é retida. Exige-se do prefeito que renuncie a ações judiciais em que questiona dívidas com a União. Dívidas que, no dizer dos prefeitos, não existem ou já deviam ter caducado. Quem se submete a levar a primeira parcela da dívida, inicia a obra. Mas a bucrocia estatal não termina por aí! De súbito, o governo federal segura a segunda parcela e o prefeito se vê compelido a pagar à empreiteira com recursos das arcas municipais. No final, o prefeito é algemado e empurrado para dentro de um camburão.

Segue-se um letreiro com os nomes das diversas operações da Polícia Federal que resultaram em acusações de corrupção contra prefeitos e fim da exibição. Como podemos ver, o vídeo expõe um circuito que, entra governo, sai governo, é marcado pelo malfeito e só mesmo a assessoria da candidata petista para enxergar uma peça oposicionista em sua exibição.

A visão exposta na peça é simplória. O prefeito, de fato, é submetido a um calvário burocrático. Mas o grosso da corrupção não nasce aí. Começa na formação do caixa da campanha, cresce no relacionamento promíscuo do prefeito com o congressista, Viceja nas dobras de licitações manjadas de obras superfaturadas, prossegue no "quanto é que eu levo nisso" dos gabinetes da Esplanada e termina no grande "racha" que tunga as verbas que o Estado vai buscar no bolso do contribuinte brasileiro.

Ficou boiando no ar uma pergunta incômoda: por que diabos a turma de Dilma vetou o vídeo? E não adianta dizer que eles não tiveram nada a ver com isso, pois às 17h32 desta quarta (19): O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, confirmou que a assessoria de Dilma havia vetado a exibição do vídeo.

Estou dizendo isso porque agora há pouco eu estava comentando com a minha namorada o infeliz episódio envolvendo o candidata tucano, José Serra, numa coletiva de imprensa. Segundo ela, a pergunta que fizeram ao candidato tucano se assemelhava a tentativa dos prefeitos de exibir o vídeo que mencioneu acima. Nas linhas que se seguem, vou demonstrar que não há nada em comum entre os dois episódios, exceto, talvez, a tentativa dos candidatos de se fazerem de vítimas todas as vezes que se deparam com algo capaz de por em xeque a sua credibilidade junto aos eleitores brasileiros.

Bom, voltemos a coletiva de imprensa com o candidato tucano, José Serra: Em um dado momento da entrevista, um reporter da Rádio Nacional, que pertence à Empresa Brasileira de Comunicação, pergunta ao candidato tucano se ele pretende acabar com o Bolsa Família. Quando indagado sobre a origem dessa informação, o reporter desconversa e, segundos depois, repete a mesma pergunta. Essa Empresa Brasileira de Comunicação é chefiada por Tereza Cruvinel, que por sua vez, obedece às ordens de Franklin Martins. Sendo assim, é um repórter cujo salário é pago com o dinheiro do contribuinte. Trata-se, portanto, do dinheiro público sendo usado para fins privados. Mas,infelizmente, nem todos os brasileiros conseguem compreender o absurdo que há por trás disso.

Como se não bastasse, a afirmação de que Serra pretende acabar com o Bolsa Família é falsa e carece de crédito até mesmo entre aqueles que estão menos comprometidos com a pré-campanha dos candidatos para a eleição que se avizinha. O reporter que fez a pergunta sabe disso, mas na certa estava fazendo aquilo que lhe foi recomendando pelos seus patrões. O nome disso é terrorismo eleitoral, não indagação jornalística. E sendo o repórter funcionário de uma emissora pública, a coisa fica ainda mais grave, pois se transforma em uma variante da mobilização da máquina oficial contra o candidato da oposição.

Serra já afirmou uma, duas, dez vezes que, se eleito, vai fortalecer o programa. Considerando a sua tragetória política, podemos dizer que não há nenhum indício de que ele esteja mentindo. Vejamos o que é o Bolsa Família? Um programa do governo petista que reuniu várias "bolsas" criadas pelo governo psdbista. Para falar a verdade, o único mérito que Lula teve na confecção do programa foi ter sido capaz de usar a mineirice do ministro da integração nacional, Patrus Ananias, para apresentar um produto velho em um pacote novinho em folha. Dito isso, vamos a pergunta que não quer calar: Por que José Serrá iria querer acabar com uma coisa que teve início no governo do qual ele fez parte? Maluquice? Destrambelhamento? Não sei! Isso só faz sentido no imaginário dos petistas.

Creio que a primeira diferença entre o vídeo que seria apresentando na reunião dos prefeitos e a pergunta sem nexo da qual José Serra foi vítima, está bastante clara: uma faz parte de uma iniciativa independente que contou com o opoio de todos os partidos e da iniciativa privada e a outra faz parte de um jornalismo subvencionado pelas verbas públicas que milita em prol de uma candidata. Mas e a segunda diferença? Calma, já chegamos lá...

A segunda diferença é, a meu ver, a mais grave. O vídeo que foi, sem ter sido, narra a tragetória de um prefeito às voltas com uma série de problemas reais. Pode até ser um relato muito simplista e, se me permitem dizer, com um quê de comédia dos costumes. Mas o fato é que os problemas ali apresentados são reais! E a pergunta que o jornalista da Radio Nacional fez ao José Serra? Está apoiada em quê? Suposições? Ora, o jornalismo não pode se pautar por suposições e ilações. Ele deve ter algo em que possa se fiar. Nesse caso, o que será? Alguma ata do PSDB revelando as suas intenções de acabar com o Bolsa Família? O comentário de um deputado ou senador do partido? Uma declaração do próprio Serra? Não, meu querido leitor! Não há nenhum indício de que o PSDB realmente esteja querendo acabar com o Bolsa Família. Isso é apenas um boato que vem sendo repercutido, ad nauseam, pela imprensa militante que trabalha para favorecer o partido.

Já imaginaram o que poderia acontecer se ao invés de investigar, a imprensa resolvesse aderir ao modo Franklin Martins de fazer jornalismo e passar apenas a insinuar? O resultado seria mais ou menos assim:

- Candidata Dilma, ouvi dizer que a senhora ficou com uma parte do dinheiro que foi roubado do cofre de Adhemar de Barros, isso é verdade?

Reparem que estou sendo gentil, pois Dilma pertenceu ao comando da organização que arquitetou o assalto à casa de Adhemar de Barros, em Santa Teresa e Serra... Bem, Serra nunca deu qualquer pista de que poderia acabar com o Bolsa Família.

Pode-se ainda perguntar a Dilma:

— É verdade que a senhora participou do assalto ao banco Andrade Arnaud, no Rio, feito por sua organização, episódio em que morreu o comerciante Manoel da Silva Dutra?

Sim, eu sei que ela já disse não ter participado de nada disso, embora pertencesse ao comando da organização. Mas, vocês sabem, uma pergunta é só uma pergunta. Imaginem um repórter da, sei lá, TV Cultura a fazer uma indagação dessas à candidata do PT. O mundo desabaria. E os colunistas engajados na mais pura isenção certamente ficariam indignados.

Aliás, Dilma diz que não mudou de lado, não é? Então aí vai outra:

— A senhora ainda é comunista ou renegou o passado?

Não é a primeira vez que um "repórter" ligado a veículo público faz uma pergunta "motivada" por uma fonte escusa. O que nos faz indagar: até quando vamos nos sujeitar a isso? Já não há ilegalidade demais nessa campanha?

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