28 julho 2009

O IPEA de Pochmann

por Thiago Nogueira

O IPEA - fundação federal que tem por objetivo fornecer "suporte técnico" ao governo para avaliação e formulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento – está realizando uma pesquisa sobre as políticas culturais empreendidas pelos ministros da Cultura entre os anos de 1985 e 2009. A pesquisa consiste em um questionário com dez perguntas sobre a experiência dos entrevistados na área de gestão cultural.

Para quem não sabe, o IPEA é dirigido por Marcio Pochmann, professor da Unicamp (paraíso dos "estruturalistas" cepalinos) e petista de carteirinha. Nos últimos anos o instituto se tornou uma espécie de organismo subordinado às pretensões governistas do presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Minúcias à parte, o que me chamou a atenção foi a resposta de Ipojuca Pontes a uma das perguntas do questionário. Ipojuca foi secretário nacional de cultura no governo Collor de Mello e foi o responsável pela reforma administrativa que diminuiu a intervenção do Estado na vida institucional do país. Durante a reforma, doze empresas estatais foram fechadas, entre elas a Embrafilme, núcleo de corrupção (também ideológica) na esfera do cinema. Mas, voltando a pergunta do IPEA (e a resposta do Ipojuca)...

A indagação final do questionário era: "No seu período (de gestão) se discutia a construção de um Sistema Nacional de Cultura? Se sim, quais os parâmetros? Se não, por quê?".

Dêem uma olhada no que Ipojuca respondeu:

"Não criei sistema algum, porque só governo de vocação totalitária, ou coletivista, pensa em construção de um 'Sistema Nacional de Cultura'. Senão, vejamos:

1 - Quando, nos anos de 1970, o general Médici esteve à frente do Executivo, propôs um sistema de 'Diretrizes para uma Política Nacional de Cultura', na qual a 'defesa dos nossos bens culturais' era considerada uma 'questão de segurança nacional'. Visando tal objetivo, que reduziu a cultura ao triste papel de mero instrumento de política setorial de governo, os militares também promoveram o seu PAC (Plano de Ação Cultural). Com ele, não abriram mão de gerir, financiar, promover, coordenar e fiscalizar programas, planos e projetos na área cultural, de forma centralizada, praticamente não abrindo espaço para a ação da sociedade.

2 - Com a mesma visão de controle institucional, durante o governo fascista de Mussolini, na Itália, o filósofo Giovanni Gentile, ministro da Instrução Pública, com o seu 'idealismo objetivo' propugnava pela Unificação de um Sistema Nacional de Educação (e, por extensão, de cultura), de cunho corporativista, ao tempo em que propunha, para abrigar um 'Nuovo Rinascimento', a adoção da legenda totalitária 'Tudo para o Estado, nada contra o Estado, ninguém fora do Estado', a ser reproduzida nas capas dos livros, cadernos escolares, museus, etc., e a ser exibida ao público no início de cada encenação das artes representativas.

3 - Joseph Goebbels, ministro da Propaganda e da Comunicação Pública de Hitler, responsável pela sistematização da política cultural alemã, estabeleceu 'Projeto Nacional-Socialista de Cultura' para o Terceiro Reich, cuja proposta era desenvolver entre os povos germânicos os valores culturais da raça ariana, antagônicos aos valores 'sujos' da cultura judaica, dos quais - dizia o ministro - Sigmund Freud era um dos expoentes.

4 - Já na União Soviética da Era Stalinista, Andrei Djanov, sistematizador da política cultural comunista, era o ideólogo do 'realismo socialista' a teoria (na realidade, doutrina oficial) que tinha como principio comprometer o pensamento e a produção artística com a 'transformação ideológica e a educação dos trabalhadores para a formação do espírito socialista'. Jdanov, entre 1936/1938 um dos responsáveis na URSS pela política de extermínio em massa do Grande Terror, na qual foram assassinadas mais de um milhão e meio de pessoas (entre os quais milhares de artistas, intelectuais e bolcheviques dissidentes), tinha como objetivo o controle total da criação artística, para o qual propunha planos, metas e regras. Uma delas, imposta pelo Komintern e aceita pelos PCs em todo mundo, inclusive o do Brasil, figurava o banimento nas manifestações artísticas dos 'vícios da ambigüidade, da ironia, do subjetivismo, das abstrações e do formalismo' - todos considerados 'arcaísmos do degenerado comportamento burguês'.

5 - Em Cuba, Fidel Castro, fiel seguidor dos postulados estabelecidos por Djanov, que tinha como tarefa ideológica a 'ofensiva sistemática contra o imperialismo norte-americano', transformou as instituições culturais da Ilha em aparatos de guerra contra o capitalismo. Em 1971, em discurso público, para manter intacto o seu regime totalitário, ainda hoje reinante, o ditador cubano tornou claro aos intelectuais e artistas presentes qual seria a 'sistemática cultura' a prevalecer em Cuba. À época, Fidel pontificou: 'Dentro da revolução, existe tudo; fora da revolução, não existe nada'. E até hoje a vida cultural da Ilha, explorando ideologicamente as manifestações da criação popular e as atividades artísticas, se limita a praguejar contra o 'imperialismo ianque' e a trovejar loas a uma revolução que sobrevive unicamente por força da violência, do cárcere e do silêncio.

No Brasil moderno, a partir da Era Jango, a construção de um 'Sistema Nacional de Cultura' teve como prioritário, dentro da estratégia traçada por Gramsci nos 'Cadernos do Cárcere', a ocupação de espaços nas instituições culturais do Estado ('aparelho hegemônico'), para fins da promoção da 'revolução passiva', de fundo marxista.

Com breve interregno no Governo Collor - que, por motivos óbvios, não conseguiu levar adiante a sua reforma administrativa -, a estratégia de 'ocupação de espaço' dentro do aparelho do Estado foi vertiginosamente acelerada, em especial no mandato transitório de Itamar Franco e nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, 'intelectual orgânico' por excelência, cultor do 'Estado Ampliado', cuja característica básica - para fins do controle social - é a assunção pelas ONGs (entidades, em geral, de esquerda) das tarefas tidas como próprias do Estado.

Com a chegada do PT ao poder, partido marcado pela teoria e prática leninista, às sutilezas ideológicas tucanas (de natureza gramscistas) foram agregadas ações mais ortodoxas no aparelhamento do Estado, transformado num apêndice do próprio PT - o novo Príncipe Moderno.

No Plano da cultura oficial, sempre a contar com os bilhões de reais das empresas estatais (vide, por exemplo, o caso Petrobras, no momento objeto de CPI), o processo funcional de 'transição para o socialismo' foi acentuado. Subordinado às resoluções anuais do Foro de São Paulo, entidade fundada por Fidel Castro e Lula (em 1990) com a finalidade de 'recriar na América Latina o que foi perdido no Leste Europeu', o governo petista promove hoje nos espaços públicos de ensino cursos de artes administrados por 'especialistas' cubanos; investe, valendo-se do dinheiro do contribuinte, milhões de reais em filmes de denúncia social e propaganda; financia a produção de shows e peças engajadas; patrocina edições de livros empenhados em acirrar a luta de classes; apóia com largos recursos festivais, encontros, mostras e seminários comprometidos com 'o resgate da nossa popular', para fins de 'conscientização das massas'; disponibiliza polpudas verbas para centenas de ONGs e fundações (tais como, por exemplo, a Perseu Abramo, vinculada ao PT), todas elas voltadas para a difusão da 'ideologia revolucionária' - e por ai vai.

Resultado: em vez da criatividade genuína, voltada para a difusão de valores espirituais universais e permanentes, institucionalizou-se no País a indústria do ativismo cultural, centrada na substituição da obra de arte pela febre do evento 'político-cultural-mediático', de cuja manipulação dependem liberações de verbas públicas, a sustentação do clientelismo da 'casta de serviço' e a expansão da Nomenclatura cultural dentro do aparelho do Estado.

Como conseqüência deste processo intervencionista, adeus às possibilidades de se promover os valores mais elevados da cultura, justamente aqueles que expressam a autoconsciência do homem. No plano do pensamento, em vez de Gilberto Freyre, Miguel Reale, Mario Ferreira dos Santos, Sergio Buarque de Holanda, Vianna Moog, Otto Maria Carpeaux ou Guerreiro Ramos, por exemplo, agora temos Emir Sader, Adauto Novaes, Marilena Chauí, Chico de Oliveira e Frei Beto. No plano da criação literária, substituindo Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, Marques Rebelo e Nelson Rodrigues - temos Chico Buarque (romancista), Paulo Coelho, Rubem Fonseca, Milton Hatoum, Adriana e João Falcão.

Qual é a explicação para fenômeno tão avassalador? Por que a intervenção estatal na cultura inibe a expressão da criatividade qualificada e só tem abastardado a percepção do que se convencionou chamar de Espírito brasileiro? Por que o nosso idioma se desintegra e empobrece a cada dia? Por que o estilo de vida do nosso povo não inspira a criação de valores estéticos permanentes e universais? E por que é cada vez mais inexpressiva a relação entre arte e sociedade, banal o produto artístico, supérflua e efêmera a imagem da nação refletida no conjunto das obras oficialmente amparadas?

Na minha visão, exclusivamente pela hipertrofia do intervencionismo, que carrega dentro de si o feto do Estado Totalitário. Como se sabe, a teoria do Estado Totalitário se delineia na crença de que o indivíduo é produto exclusivo do meio social e que ele não passa de mera soma de fatores que agem e interagem na sociedade que o circunda. Na compreensão totalitária, o indivíduo deve tudo ao meio a que pertence e a sociedade onde vive. Ao eliminar a hipótese do livre-arbítrio, e da transcendência do homem, o Estado totalitário (em essência, intervencionista) anula, por meio do seu aparato coercitivo, a integridade do ser individual, aplainando, pela impostação ideológica, o seu poder de criatividade.

De fato, nutrido em fantásticas utopias igualitárias, o Estado Totalitário, cuja essência é o culto ao ser coletivo, institui e amplia o controle sobre o indivíduo, visto admitir que o exercício das liberdades individuais realça a diferença entre os homens. Como é fácil verificar, as diversas formas de controle social não se materializam apenas pela ação do poder de polícia. Por isso, as modernas sociedades de massas, em geral totalitárias, para nivelar os indivíduos, e unificá-los em torno de um só pensamento, procuram construir de forma aberta ou subliminar os 'sistemas nacionais de cultura' - o que, cedo ou tarde, obrigatoriamente, os leva à condição de seres padronizados na engrenagem do Estado Utópico idealizado por monstros.

Eis porque - conclui no meu arrazoado aos pesquisadores do IPEA -, na qualidade de gestor da Pasta da Cultura, no curto período do Governo Collor de Mello, jamais pensei em construir qualquer tipo de 'Sistema Nacional de Cultura'".

E é por aí mesmo! Que o digam Armando Valladares, Cabrera Infante, Reynaldo Arenas e Yoani Ramos. Sob a égide dos regimes totalitários, a arte era tratada como uma ferramenta partidária e a estética era deixada de lado em nome dos interesses do Estado. Foi assim na Rússia de Stalin e na Alemanha de Hitler (como foi muito bem salientado pelo Ipojuca).

O período conhecido como "Realismo Socialista", o Estado perseguiu diversos artistas ligados ao Construtivismo, ao Abstracionismo e ao Suprematismo. Sob o governo de Stalin, inúmeros artistas foram impedidos de exercer o seu ofício sob a acusação de trair a política de estética ofícial do Estado.

Alexander Rodchenko, um dos um dos artistas mais versáteis do Construtivismo, foi obrigado a abandonar a arte abstrata na década de 30 em virtude das mudanças que o Partido Governista implementou nas regras da prática artística. Dali em diante, a obra de Rodchenko ficou restrita a alguns ensaios fotográficos de eventos esportivos e imagens de desfiles militares e outros movimentos coreografados.

O cineasta russo Serguei Eisenstein também teve uma vida marcada pela repressão. Durante o regime stalinista, Eisenstein foi perseguido devido à sua visão do comunismo e à sua defesa da liberdade de expressão artística.

O pintor Kasimir Malievith, mentor do Suprematismo, também não teve uma vida fácil sob o regime de Stalin. Malievith foi proibido de continuar sua pesquisa suprematista (considerada revolucionária por vários críticos e estudiosos da arte ocidental) e terminou os seus dias pintando obras figurativas e realistas. O pintor foi acusado pelo governo soviético de "subjectivismo"; perdeu suas funções oficiais e chegou a ser preso e torturado. Morreu abandonado e na pobreza, em São Petersburgo, em 1935. Apesar de ter recebido funerais oficiais, a condenação de sua obra e do suprematismo foi seguida de um esquecimento que durou décadas. Foi somente nos anos 70 que o pintor obteve algum reconhecimento por sua obra.

Na Alemanha nazista ocorreu um fenomeno similar; sob o comando de Adolf Hitler, os nazistas decidiram banir a arte modernista produzida pelas vanguardas artísticas, especialmente na pintura e na escultura, exibindo suas obras para execração pública nas chamadas "Exposições de Arte Degenerada" (uma espécie de freek show político).

A estética nazista foi aplicada por funcionários do partido NSDAP sob a orientação pessoal de Hitler (o cabo boêmio), que havia sido um artista plástico frustrado em sua juventude. Para o grandiloquente Hitler, a arte deveria criar efeitos monumentais e glorificar a pureza da raça ariana.

Enfim, há várias coincidências entre as cartilhas estéticas do III Reich e do antigo bloco comunista. Ambas limitaram de maneira drástica o número de assuntos que podiam ser legitimamente abordados: a pátria, a natureza, o trabalho, o povo. Nada de abstração, nada de "subjetivismos". Só a velha representação realista. Bons mesmo eram os quadros que mostravam paisagens idílicas, robustos camponeses circulando entre ovelhas, pacatos habitantes de aldeia em cenas prosaicas, esportistas em ação e mulheres nuas no padrão clássico, tão sensuais quanto pedaços de isopor. O operário, um baluarte dos dois regimes, era glorificado em vários quadros. Algumas alegorias eram toleradas, exaltando a coragem e a força populares como na tela Vênus e Adônis, em que o másculo guerreiro empunha a lança e se encaminha para o combate enquanto a mulher se esparrama a seus pés. Retratos de militares e de membros do partidão, sempre em poses nobres, também eram muito apreciados. A pompa e a grandiosidade foram defeitos cultivados com esmero nos dois casos.

Atualmente, os países que produzem cultura de massa seguindo os parâmetros da estética totalitária são a Coreia do Norte, a China e o Turcomenistão. Alguns críticos do presidente venezuelano Hugo Chavez, apontam semelhanças entre as peças de sua propaganda oficial e o realismo socialista. Recentemente a Promotoria da Venezuela apresentou um projeto de lei que prevê pena de até 4 anos de prisão para funcionários de meios de comunicação que divulgarem informação “falsa”, “manipulada” ou “tergiversada” que cause “prejuízo aos interesses do Estado” ou atente contra a “moral pública” ou a “saúde mental” da população. Os crimes são caracterizados como “delitos midiáticos”. Não é preciso ser um gênio para constatar que daí até que o aspirante a Bracaleone começe a se intrometer na produção artística do seu país é um pulo!

Vai ver esses são os moldes do modelo de Sistema Nacional de Cultura propósto por Pochmann e seus acólitos do IPEA.

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