08 dezembro 2009

Fazendo jabá

O jabá desta semana vai para o jornalista Antônio Roberto Batista e o sua excelente resenha sobre o mais novo livro de Antônio Paim. O título do texto é "O livro vermelhor de Antônio Paim" e, apesar de ser um pouco longo, vale à pena ler.

O livro vermelho de Antônio Paim

por Antônio Roberto Batista

Acaba de surgir no meio especializado brasileiro uma obra pouco comum, gestada por longo período e que havia sido prevista, inicialmente, para lançamento no mercado livreiro português. Denomina-se "Marxismo e Descendência" e inaugura a Coleção História & Pensamento da Vide Editorial. Nasce da pena de um renomado professor de filosofia política, com trajetória intelectual capaz de tornar atraente e interessante um tema, em princípio, bastante difícil.

O Prof. Antonio Ferreira Paim conduziu suas mais recentes pesquisas, para o desenvolvimento do tema, durante longas permanências em Portugal, onde ministrava cursos sobre o pensamento político luso-brasileiro. O estilo, já conhecido de outras obras como, por exemplo, o clássico "A Querela do Estatismo", corresponde ao seu perfil de historiador das idéias, tornando a leitura muito mais palatável do que se mergulhasse apenas nos meandros teóricos, sem acompanhá-los com o relato dos fatos ilustrativos. Segundo revela em recente entrevista concedida, tratava-se de uma pendência que vinha de longa data, desde quando rompeu, com considerável risco pessoal, seu vínculo com o Partido Comunista, morando ainda na União Soviética e necessitando encontrar maneira de "sair" de lá, com mulher e filha, o que só foi possível graças à corajosa interferência de um diplomata brasileiro. Encontrava-se estudando na Universidade de Lemonosov, centro qualificado do pensamento marxista soviético onde, segundo revela com um misto de humor e melancolia, estava sendo preparado para ser um "bolchevique sem alma". Corria, então, o ano de 1958. Mas só agora, depois de uma longa jornada que o consagrou como pensador liberal e vigoroso defensor da democracia representativa, o Prof. Paim retorna ao tema para uma análise desapaixonada do marxismo como modelo de pensamento, em busca, com diz, de acertar suas contas, avaliando alguns porquês e incongruências do tema, inclusive a notória diversidade presente num pensamento supostamente rigoroso, "científico" e totalizante. Durante a entrevista feita, com a participação do Prof. Paulo Kramer, este destaca, reforçando a visão de Paim, que no Brasil como na Rússia o marxismo acaba por funcionar como um avatar do patrimonialismo.

O livro está dividido em três partes: Doutrina marxista do Estado; Doutrina marxista da Sociedade e Doutrina marxista do Pensamento.

Na primeira parte Paim estuda, primordialmente, a forma assumida pelo marxismo soviético, impregnado do patrimonialismo tradicional russo, radicalizando as piores facetas do czarismo e demonstra, cabalmente, que todo o arcabouço totalitário foi organizado minuciosamente pela batuta de Lênin e não, como muitas vezes se argumenta, por um desvio stalinista acidental e posterior. Surpreende verificar que o "camarada Stalin", sem prejuízo da sua atividade genocida, manteve produção teórica constante no sentido de explicitar diversos aspectos do ideário marxista. Seu interesse pela "lingüística" é sugestivo do formato e da trajetória que viria a marcar a produção intelectual de notórios seguidores até os dias de hoje.

Na segunda parte, centrada, principalmente, no exemplo francês, Paim discute a faceta cientificista do marxismo e como foi desenvolvida uma relação de simbiose com a cultura francesa. A formação e trajetória do Partido Comunista Francês, que chegou a ser o maior dessa natureza no Ocidente, é relatada com certo detalhe, inclusive a forma truculenta como se apossaram da máquina partidária socialista, enquanto na Alemanha resistiam com sucesso os Democratas Sociais. É curioso observar como um partido nacional de tamanha importância teve como marca fundamental a submissão absoluta aos ditames da potência soviética. Vale acompanhar, não apenas as tumultuadas relações de Marx com os seus próprios inspiradores (em especial o caso de Proudhon), como as relações complementares, no plano teórico, que a herança saint-simoniana e positivista, particularmente na sociologia, exerceram sobre a mentalidade intelectual francesa, suprindo a insuficiência marxista original. Paim se vale dos brilhantes estudos de Raymond Aron sobre o tema e se refere à crítica epistemológica de Karl Popper, ambas demolidoras das pretensões do marxismo como ciência, mas que ilustram bem a sua inserção na mentalidade cientificista. Duas curiosidades a nosso ver: a desmistificação do tão decantado episódio da Comuna de Paris, que Paim já cita na apresentação do livro e demonstra nada ter a ver com o roteiro marxista da história, sendo uma mera revolta da Guarda Nacional; e uma interessante análise de como o marxismo passou a influenciar o ambiente intelectual francês e, conseqüentemente, de quem o assumiu como produto de consumo onde, possivelmente, se enquadrem muitos dos nossos mais pernósticos acadêmicos.

A terceira parte do livro, da Doutrina Marxista do Pensamento, apesar do título, mantém uma abordagem narrativa paralela à discussão conceitual, de leitura agradável, onde vamos identificando as origens de certos marcos, tanto do marxismo como proposta filosófica, como das adaptações sofridas em benefício de diversas conveniências político-revolucionárias. A trajetória percorrida por O Capital, como obra inacabada e ajustada, posteriormente, por Engels é apenas um dos relatos. A forma agressiva como a ortodoxia leninista se impôs, inclusive com o virulento e desrespeitoso ataque de Lênin a Karl Kaustky, até então reconhecido como grande expoente ocidental do marxismo é significativo da fusão inevitável da doutrina com um projeto totalitário. O padrão intolerante do debate já tinha antecedentes no próprio Marx. Em todas as circunstâncias que se viriam a apresentar, a eliminação de uma idéia e a eliminação do portador da idéia tornou-se, cada vez mais, uma marca central da doutrina aplicada. Paim relata e explica, nesse contexto, o nascimento do que se convencionou chamar "vulgata marxista".

É nessa terceira parte que o autor se estende, mais claramente, à denominada descendência pois, embora os descendentes imediatos já estejam presentes no caso soviético e francês, segue-se uma abordagem da variante italiana, inclusive a contribuição supervalorizada de Gramsci, uma análise das manifestações da Escola de Frankfurt, incluindo o caso tão especial quanto repulsivo do marcuseanismo, de funestas conseqüências e, acrescento eu, possível responsável pela paixão que os nossos marxistas locais devotam ao que Marx denominava de lumpem. O autor não aprofunda, mas localiza bem o encontro realizado, no espaço das variantes frankfurtianas, entre marxismo e freudianismo. Não se esquece do Brasil, onde tais influências se fizeram sentir fortemente, embora nem sempre nominadas. Põe em discussão, também, como bem ressalta durante a entrevista a que nos referimos, a tentativa de utilização "neutra" da análise marxista no desenvolvimento da tão comentada Teologia da Libertação. Esse é um ponto crucial da discussão: é possível o uso neutro do método marxista, quando o próprio Marx, assim como os positivistas, concebia a sua doutrina como algo que exigia aplicação integral à realidade, tanto na componente interpretativa quanto prescritiva?

Para cada uma das grandes partes em que se encontra dividida a obra, Paim extrai uma ou mais conclusões básicas e formula questões pendentes que mereceriam meditação. Para a primeira parte, Paim conclui que, na verdade, inexiste uma teoria do Estado no marxismo e cita o professor Norberto Bobbio, sentenciando que há apenas uma crítica ao chamado Estado burguês que cumpre destruir, mas não se avança numa proposta definida de Estado, sequer do modelo intermediário que precederia a sua extinção pela sociedade sem classes. Na segunda parte, rica no relato das tramas intelectuais e políticas, o questionamento proposto é mais simples: o marxismo esgota-se no cientificismo? Ao que Paim responde negativamente, dadas as pretensões muito mais amplas da doutrina, às suas raízes e diálogos com o idealismo alemão e com isso nos remete à terceira parte. O encerramento da terceira parte do livro e sua pergunta final é, por certo, a conclusão mais grave a que nos conduz a alentada obra. Depois de interrogar se o marxismo seria, afinal, um tipo de messianismo, a pergunta proposta é: pode, o marxismo, coexistir com outras correntes de pensamento? A prática política parece demonstrar, que onde o seu domínio partidário se implanta, faz-se mister eliminar toda a divergência.

Com essa obra, o Prof. Antonio Paim alcança cumprir plenamente a sua aspiração de ajustar, definitivamente, suas contas com a corrente de pensamento que empolgou tantos intelectuais nos anos da sua juventude. Como ele nos diz, após o primeiro choque causado nos militantes, através do famoso Relatório Kruchov, mesmo assim "uns largaram e outros não largaram". Para alguns de nós, o mais atraente do seu relato é justamente o retrato histórico que contém, ilustrando a forma como uma doutrina, transformada em ortodoxia de Estado e graças à sua contínua reinterpretação, gera tão renitentes resistências à democracia representativa e responde por tantas catástrofes econômicas, humanas e sociais.

O livro está à venda no site www.videeditorial.com.br.

05 dezembro 2009

Qual é o verdadeiro Lula?

Reinaldo Azevedo pouco-a-pouco vai confrontando o Lula de hoje com o Lula de ontem (aqui, aqui e aqui). O nosso querido Tio Rei tirou do baú uma entrevista de Lula à revista Playboy em 1979, onde o nosso presidente aparece com toda a sua graça (ou seria desgraça?). Ao confrontar o depoimento do Lula de 1979 com aquele que é apresentado no filme hagiográfico de 2009, ficamos com a impressão que um dos dois é mentiroso. Resta-nos então descobrir qual é o verdadeiro Lula, o inconsequente e tosco de 1979 ou o coached de 2009.

A PEC do jornalismo

Há muito eu me pergunto a razão da escolha do nome Democratas para substituir o antigo Partido da Frente Liberal. A princípio achei a escolha infeliz porque associa o que eu julgava ser partido de direita no Brasil com um partideco de esquerda dos EUA. Antes fosse só isso! Está claro que o que eles queriam mesmo era tirar o "L" da nomenklatura. O "L" de Liberal, o "L" de Liberdade.

Ontem vi no Blog do Senador Agripino Maia uma defesa asquerosa da PEC do jornalismo, que foi recem aprovada pela CCJ do Senado. Para quem não sabe do que se trata, a PEC pretende derrubar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a profissão de Jornalista não pode requerer diploma, nem ser exclusiva dos diplomados em jornalismo.

Não sei se Maia defende a liberdade de expressão ou se a sua crença é menor que o seu interesse no corporativismo da classe (que possivelmente rende mais votos que a honestidade intelectual,) mas me parece que essa PEC é um esforço inútil porque a vai contra o Artigo Quinto da Constituição Federal e eu duvido que haja algum político com coragem suficiente para afrontá-lo. Uma vez aprovada a estúpida PEC, provoca-se o STF e este logo determinará que a mesma é inconstitucional. Analfabetismo Moral com Analfabetismo Jurídico só podia dar nisso mesmo!

02 dezembro 2009

Vai um gelinho aí?

Como não me canso de dizer, o "aquecimento global" é uma das fraudes mais descaradas dos últimos tempos. Hoje eu fiquei sabendo, através do cardeno de notíciais do Estadão, que a nevasca que confinou os cientistas brasileiros na Estação Comandante Ferraz no último domingo, foi uma manifestação da primavera mais fria registrada nos últimos 11 anos na Antátida. Detalhe: quem forneceu a informação foi o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mantém uma base meteorológica nos arredores da estação.

Os números do fechamento de novembro apareceram num quadro de avisos da estação, e contêm, além do recorde de frio na região para o século 21, as informações de que o mês de novembro foi 2°C mais frio que a média para o período; já o ano de 2009 está 1°C abaixo da média histórica. Curioso, não acham?

A causa exata desse resfriamento da parte mais fria da Terra ainda é motivo de debates e pesquisas, mas com a folga na nevasca os pesquisadores em Ferraz, mais de 50, retomam plenamente suas atividades já na manhã desta quarta-feira.

Se as coisas continuarem no pé em que estão, a única espécie que entrará em extinsão em decorrência do aquecimento global [sic] serão os banhistas que não dispensam uma boa praia nos finais de semana.

Nem tão distântes assim

Um dia desses eu tive o desprazer de assistir a alguns trechos da propaganda gratuita do PCdoB na TV. No papel principal, atuava a bela deputada gaúcha Manuela D’'vila. A mulher abjurava o capitalismo, o neoliberalismo (seja lá o que isso for), a globalização e ainda cantava loas ao modelo socialista – o único, segundo ela, capaz de promover a justiça social, o fim das desigualdades e blablablá. Nenhuma menção, evidentemente, aos inumeráveis crimes, atrocidades e mazelas econômicas que seu venerado sistema de organização social produziu mundo afora, durante todo o século XX.

Enquanto ouvia aquela jovem mulher gritar o indefectível festival de clichês e jargões, lembrei-me de uma determinada professora universitária da UNISUAM, no Rio de Janeiro, para quem a adoção das políticas neoliberais marcou uma fase de aproximação com o fascismo. Para provar que nada poderia estar mais longe da verdade, recorri ao trabalho do brilhante escritor francês Jean-François Revel, que num de seus últimos livros – A Grande Parada – traçou o mais completo paralelo que conheço entre os dois modelos totalitários que mais produziram cadáveres e mutilações em toda a história, e explicou por que, enquanto o nazismo segue sendo, com inteira justiça, demonizado por todos os homens de bem, o comunismo, que comprovadamente produziu muito mais vítimas, permanece idolatrado por uma multidão de ignorantes, ingênuos e outros tantos rpfessores universitários hipócritas.

Revel demonstrou, num trabalho magnífico de pesquisa histórica e jornalística, temperado por sua verve direta e implacável, como o revisionismo comunista encontra-se disseminado na literatura, na história, na mídia e na política, especialmente depois da queda do muro de Berlim. Além disso, mostrou de forma cruel como os próceres da esquerda – sejam filósofos, políticos, historiadores, jornalistas e intelectuais em geral – agem para criar um sem-número de teorias escapatórias para as atrocidades comunistas, a grande maioria delas propondo-se a tentar desvincular os indeléveis crimes do passado – e do presente – daquilo que apelidaram de "ideal socialista".

Em sua magnífica obra, Revel desmonta cada um dos inúmeros sofismas e falácias da esquerda, além de demonstrar cabalmente que, malgrado a retórica rebuscada dos seus ideólogos, a realidade é que "nenhuma das justificativas apresentadas, desde 1917, a favor do comunismo, resistiu à sua aplicação; nenhum dos objetivos que ele se propunha atingir foi atingido; nem a liberdade, nem a prosperidade, nem a igualdade, nem a justiça, nem a paz". Apesar disso, essa erva daninha talvez nunca tenha sido tão ferozmente protegida, por tantos implacáveis defensores, como após o naufrágio soviético.

"Se alguém quiser estudar um sistema mental que funcione inteiramente dissociado dos fatos e elimine imediatamente qualquer informação que contrarie sua visão de mundo", escreve Revel, "deve estudar a mente dos comunistas. São laboratórios insuperáveis". Alguns podem até reconhecer a existência de uns poucos fatos abomináveis, mas sempre enfatizando que tais fatos não guardam qualquer relação com a essência do comunismo. Seriam, no máximo, uma perversão do sistema, mas jamais uma decorrência dele.

A repressão em campos de concentração ou em cárceres diversos, os processos sumários e fraudulentos, os expurgos assassinos, as ondas de fome provocadas por programas estupidamente planejados e pavorosamente executados acompanharam todos os regimes socialistas, sem exceção, ao longo da história. E Revel questiona: "Será que a verdadeira essência do comunismo reside no que jamais foi, ou nunca produziu? Que sistema é esse, que dizem ser o melhor, porém dotado dessa propriedade sobrenatural de nunca conseguir colocar em prática senão o contrário do que prega? Que linda cerejeira será essa, na qual, por um acaso incompreensível, só brotam cogumelos venenosos?"

É inútil tentar descobrir qual dos regimes totalitários do século XX foi o mais bárbaro, porque ambos impuseram a tirania, o pensamento unificado e deixaram como herança uma montanha de cadáveres. O parentesco do comunismo com o nazismo é, para a esquerda em geral, um tema sempre delicado e, como qualquer tabu, sabiamente escamoteado. Por exemplo, quando um ideólogo marxista, como Stalin, se comporta como um carrasco nazista, a explicação é simples: a culpa é do personagem e de seu caráter perverso, nunca do sistema. Stalin seria então um verdadeiro nazista, apenas fantasiado de comunista.

Para que se tenha uma idéia de como pode ser dramática a inversão de valores produzida pelos sofistas da esquerda, quase sempre utilizando aquela verborragia "politicamente correta", basta lembrar que aos olhos da maioria do público mundo afora, os grandes vilões da atualidade, estigmatizados e vitimados pelos mais sórdidos preconceitos, somos justamente nós, os malvados neoliberais – alguns raros e teimosos abnegados, que ainda insistem na luta para desmascarar os verdugos da liberdade e fulminar seus sórdidos subterfúgios.

A propósito: antes que os red caps fiquem alvoroçados, gostaria de deixar claro que usei o termo neoliberal de forma irônica. Não reconheço esse termo e acho uma estúpidez sem tamanho recorrer a ele para classificar os liberais clássicos.

Mas, voltando ao assunto... Não importa que o comunismo, com seu amontoado de trapaças ideológicas, continue matando pessoas no Tibete, na Coréia do Norte, na China ou em Cuba. Não importa tampouco que ele continue sendo uma importantíssima ferramenta nas mãos de tiranos, sempre dispostos a instalar regimes de opressão em nome da defesa dos oprimidos – como ocorre amiúde em diversos países latino-americanos.

Embora seja indelével a identidade e a afinidade, em essência, entre o comunismo e o nazismo, existe uma diferença importante a distinguir nos dois modelos. Como muito bem lembrado por Revel, "Hitler desde sempre demonstrou sua hostilidade à democracia, à liberdade de expressão e de cultura, ao pluralismo político e sindical. Além disso, nunca escondeu sua ideologia racista e (...) anti-semita. Por conseguinte, partidários e adversários do nazismo situavam-se, desde o começo, de um lado ou de outro de uma linha divisória traçada nitidamente". Em resumo, não houve decepções com o nazismo, já que seu líder cumpriu fielmente o que prometera.

Já o comunismo é diferente, "pois emprega a dissimulação ideológica, veiculada pela utopia. Promete a abundância e provoca miséria; promete a liberdade, mas impõe a servidão; promete a igualdade e leva à mais desigual das sociedades – com a nomenklatura, classe privilegiada a tal ponto como jamais se conheceu, nem mesmo nas comunidades feudais. Ele promete ainda respeito à vida humana, mas realiza execuções em massa; promete o acesso de todos à cultura, mas leva ao embrutecimento generalizado; promete o 'novo homem', mas o fossiliza".

O nazismo, portanto, abriu o jogo desde o início. Já o comunismo é insidioso e sempre se escondeu atrás da utopia. "Isso lhe permite satisfazer o apetite pela dominação e pela servidão sob o disfarce da generosidade e do amor à liberdade, perpetrar a desigualdade sob o manto do igualitarismo. O totalitarismo mais eficaz, portanto", fulmina Jean-François, "o problema não está naquele que faz o Mal em nome do Mal, mas naquele que faz o Mal em nome do Bem".

***

Após a publicação, em 1997, de O Livro Negro do Comunismo, um trabalho histórico científico que expôs de forma insofismável os crimes do totalitarismo comunista, a defesa da esquerda se concentrou na materialidade desses crimes tentando, como diria Trostki, justificar os meios pelos seus fins (ver A Moral e a Revolução). Funciona mais ou menos assim, quando confrontada com a natureza bárbara dos crimes cometidos sob o regime comunista, eles, os comunistas, invocam a pureza de motivos que havia determinado a sua perpetração. A mesma velha história! Desde os primeiros instantes da revolução bolchevique, tivemos que engolir, ad nauseum, essa "insípida poção", resume Revel.

O nazismo e o comunismo cometeram atrocidades comparáveis, tanto por sua extensão quanto por seus pretextos ideológicos. Isso não foi, entretanto, resultado de uma "coincidência fortuita de comportamentos aberrantes". Ocorreu, muito pelo contrário, porque ambos comungavam os mesmos princípios e idéias fundamentais, sedimentados por convicções pétreas, e – mais importante! – empregavam o mesmo modus operandi. É emblemático o fato – aliás, inconteste – de que tanto uma ideologia quanto a outra sempre defenderam – e nunca esconderam isso – a tese de que os fins justificam quaisquer meios.

O socialismo, segundo Revel, "não é mais ou menos de esquerda do que o nazismo". A característica fundamental de ambos "é que seus dirigentes, convencidos de serem detentores da verdade absoluta e de comandarem o curso da história, sentem-se no direito de destruir os dissidentes, reais ou potenciais, as raças, categorias profissionais ou culturais, que lhes parecem entravar (...) a consecução de seus supremos desígnios".

Por isso, prossegue Revel, "tentar distinguir entre os dois regimes totalitários, atribuir-lhes diferentes méritos em função do afastamento de suas superestruturas ideológicas, em vez de constatar a identidade de seus comportamentos reais é bem estranho, principalmente vindo da parte dos socialistas, que deveriam ter lido Marx um pouco melhor. Não se pode julgar, dizia ele, uma sociedade pela ideologia que lhe serve de pretexto, assim como não se julga uma pessoa pela opinião que ela tem de si mesma".

"O próprio Adolf Hitler foi um dos primeiros a saber captar as afinidades entre o comunismo e o nacional-socialismo. Ele certamente não ignorava que uma estratégia política é julgada por seus atos e métodos e não pelos adornos de oratória ou pelos 'pompons' filosóficos que a cercam. Ele declara a Hermann Rauschning, que o relata em Hitler me disse, livro lançado ainda em 1939:

"Aprendi muito com o marxismo e não pretendo escondê-lo (...). O que despertou interesse nos marxistas e me forneceu ensinamentos foram seus métodos. (...) Todo o nacional-socialismo está lá contido. Veja bem: os grêmios operários de ginástica, as células empreendedoras, os desfiles monumentais, os folhetos de propaganda redigidos em linguagem de fácil compreensão pelas massas. Esses novos métodos da luta política foram praticamente todos inventados pelos marxistas. Eu só precisei me apoderar deles e desenvolvê-los para conseguir assim os instrumentos de que necessitávamos...".


Pode ser um tanto surpreendente para alguns – principalmente em virtude da habilidade com que a intelligentsia esquerdista contorce e escamoteia os fatos históricos – encontrarmos a mesma linha filosófica em Karl Marx e Adolf Hitler, contra quem, a propósito, é chocante a ingratidão dos atuais pensadores socialistas. Num livro de entrevistas de Otto Wagener, também citado por Revel, Hitler é incisivo:

"Agora que terminou a era do individualismo, nossa tarefa é encontrar o caminho que leva ao socialismo sem revolução. Marx e Lênin enxergaram perfeitamente o objetivo, mas escolheram o caminho errado".


Se o Führer comungava com Marx a opinião sobre a necessidade de mutilar o individualismo, não é menos emblemática a convergência de ambos acerca do anti-semitismo. Num ensaio muito pouco conhecido – Sobre a Questão Judaica –, mas que Hitler certamente leu com toda atenção, a ponto de tê-lo praticamente plagiado em algumas passagens, Karl Marx desfere contra os judeus uma torrente de insultos coléricos, como estes:

"Qual é a origem profana do judaísmo? A necessidade prática, a cupidez. Qual é o culto profano do judeu? O comércio. Quem é o seu Deus? O dinheiro".


Além disso, para o profeta, o comunismo seria "a organização social que faria desaparecer as condições para o comércio e tornaria o judeu inviável". Vemos aí, claramente, a origem do ódio incontido – tanto de nazistas quanto de comunistas – ao povo judeu. Ódio este que, diga-se de passagem, perdura até os dias de hoje.

Judeu ou não, entretanto, é nitidamente o indivíduo, seja na ideologia nazista ou comunista, quem deve ser aniquilado. Aniquilação essa que, como ensina Revel, "é a própria aniquilação do ser humano, que nunca existiu de outra forma, que não individualmente".

Muito embora o parentesco entre essas duas sórdidas ideologias seja incontestável sob muitos aspectos, além da ululante semelhança entre suas estruturas de poder e seus aparatos repressivos, permanece latente a recusa sistemática de qualquer paralelo entre elas. Segundo Jean-François, essa recusa peremptória, aliada à execração diária de um nazismo dito de direita, "serve de anteparo protetor contra um exame mais apurado do comunismo". Ou ainda, nas palavras de Alain Besançon, citado por Revel: "a hipermnésia do nazismo desvia a atenção da amnésia do comunismo".


(*) Este não é um artigo acadêmico, portanto, não me esforcei minimamente para refutar a tese absurda daquela professora que disse que o nascituro do neoliberalismo [sic] era o fascismo. Minha intenção com este artigo era apenas demonstrar que os socialistas tentam, de todas as formas possíveis e imagináveis, impingir aos liberais uma associação com o nazismo e o fascismo que eles próprios esconderam por anos à fio.