Em um artigo que eu li chamado Nacionalidade, de Lord Acton (o qual você encontra no livro Um Mapa da Questão Nacional, ou Mapping the Nation, no original), Acton aponta que entre a partilha da Polônia até os dias atuais existiram três teorias de tomada do poder, ou ideologias.
1) O Igualitarismo de Rousseau, substanciado na democracia como elemento de identificação da votade geral, o qual isso é praticado em quase todos os países.
2) O Comunismo, de Karl Marx, o qual já tivemos a oportunidade de discutir e de exaurir a questão.
3) A Nacionalidade, de Mazzini, um dos responsáveis pela unificação italiana
A nacionalidade, enquanto direito natural de auto-organização dos povos, começou a ser uma questão seriamente debatida a partir da partilha da Polônia, entre Rússia, Império Austro-Húngaro e Prússia, os mesmos países que fizeram parte da Santa Aliança. Na Polônia, uma pessoa sem sangue real foi feita rei de seu povo e não havia possibilidade para as monarquias absolutas assumirem o controle da Polônia por meio da sucessão hereditária.
Pela primeira vez na História da Europa, um estado cristão foi destruído e seu povo foi divido entre seus conquistadores. Poucas pessoas tiveram a coragem de criticar o tratado de partilha. Uma dessas poucas pessoas foi Edmund Burke, quando era colaborador de uma revista da época chamada Annual Register.
Num exercício de história comparada, Acton nos aponta que a história da religião teve vários exemplos de como se eletrificar as massas para uma causa. Enquanto Wycliff e Hus criticaram alguns aspectos do ensino católico, Lutero foi o primeiro a criticar a autoridade da Igreja, dando a cada pessoa o direito de escolher as suas crenças, o que valeu uma guerra civil européia - as Guerras de Religião. Dessas lições, passadas para a política, Napoleão disse: "as pessoas não morrem por ninharia, por causas pequenas - é preciso falar à alma do cidadão, de modo a eletrficá-lo e a fazê-lo lutar por você e pelo seu país" (esta citação, que eu traduzo livremente para nossa língua, encontra-se em inglês e está descrevendo a tecnologia nacionalismo, do jogo Civilization IV)
Analogamente, a Revolta da Holanda contra a Espanha foi pautada na tese de que o soberano espanhol não respeitava os direitos naturais de seus súditos. Na Revolução Francesa, o rei foi derrubado em função de sua origem.
Inclusive no Hino Nacional da Holanda existe um trecho no qual se diz o seguinte: "o Rei da Espanha, eu sempre reverenciei."
Os holandeses a princípio queriam destituir o Duque de Alba, que era excessivamente impopular, e também fazer um apelo para a tolerância religiosa na região. Bastou a trégua ocorrer, que as relações entre espanhóis e holandeses foram respeitadas. Quando a trégua acabou, o Conde Duque de Olivares não buscou manter a paz; taxou os holandeses com pesados impostos, retomou a guerra usando os temidos terços e ainda por cima quis obrigá-los a adotar o Catolicismo.
Já quanto à França, o fato é que nenhuma região da antiga Roma se acostumou tanto ao sistema de absolutismo dos césares do que a Gália.
Enquanto nas outras regiões da Europa os feudos, um instituto germânico, moldavam a cultura dos outros povos, na França os feudos eram um corpo estranho, insituído por francos, de origem bárbara, considerados inferiores aos romanos, em termos de moral e de costumes. O absolutismo francês está fortemente relacionado à necessidade de reforçar a autoridade real para que esses institutos ganhassem força e moldassem o novo povo francês. A lei sálica, que proibia a ascensão de mulheres ou de pretendentes à coroa francesa por linhagem feminina, desaguou na Guerra dos 100 anos entre ingleses e franceses, pois o rei inglês Eduardo III foi preterido por Felipe de Valois, cortando de vez as relações de parentesco entre os ingleses (governados pelos Normandos) do resto dos franceses. Some-se a isso também a prisão de um Papa em Roma feita pelo rei Felipe IV, o Belo e a colocação de um papa francês na cidade, de Avignon, gerando uma crise política e moral durante a Idade Média, divorciando-se de vez o poder temporal do espritual, ao se gerar o problema permanente das investiduras, mais tarde resolvido na concordata de Worms. O papa ameaçou excomungar Felipe IV, o Belo por estar confiscando os bens dos Templários, cavaleiros à serviço da Igreja nas Cruzadas e que protegiam os peregrinos dos assaltos dos ladrões nas estradas.
A Inglaterra é o que é porque desde Guilherme, o Conquistador, as terras foram distribuídas entre os nobres que lutaram com ele e os feudos foram moldando o caráter do povo inglês, pouco a pouco. A convivência com os feudos vizinhos e os mil anos de estagnação da economia européia durante o feudalismo foram o fato gerador das várias nacionidades européias - o caráter local, regional da fonte de Poder dos nobres, devido a inexistência de uma autoridade central, completou o processo de sedimentação.
Devido a essas diferenças de evolução que houve dentro da História dessas duas nações, as Revoluções Inglesa e Francesa tiveram duas conseqüencias completemente diferentes: em 1688 a revolução inglesa conservou as liberdades que o povo inglês havia conquistado desde a chegada dos normandos, em 1066. Em 1789, o povo francês quis criar a liberdade a partir do zero.
A tentativa de se criar a liberdade a partir do zero, através do Estado (liberdade pública) se deveu a algumas características:
1) Fronteiras políticas coincidindo com as fronteiras naturais
2) O povo francês é pautado na etnia e na raça
3) Rejeição a toda e qualquer autoridade estrangeira
Esses dados todos seriam a base da nacionalidade no direito constitucional e internacional a partir daí. Todos os povos a partir de então, por influência francesa, acreditaram numa liberdade a partir da nação. Mas todos se esqueceram das lições da História e das leis invisíveis que regem as relações entre os indivíduos, que são tão essenciais ao progresso civilizatório dos povos - reduzir o direito à lei posta, que foi a conseqüencia funesta da Revolução Francesa, só teve uma conseqüência: ao se proclamar como absoluto o falso princípio de que lei escrita é a lei eficaz, isso só causou instabilidade política nos governos futuros, bem como o problema da falsa transparência no direito, pois as leis ficaram idealistas e românticas demais, pois a lei, ao ficar acima do costume, não permitia que certas tradições, que favorecem à integração entre as pessoas e que estimulam a responsabilidade moral entre elas, se mantivessem inalteráveis e assim continuassem a regular a vida dos cidadãos por meios dos seus sentidos e por meio da razão, quando estão em suas experiências de sociablidade. Todos os sistemas do civil law passaram a ser sistemas falhos, ao adotar técnica da presunção, em vez do precedente, na solução de controvérsias jurídicas entre os cidadãos e entre os cidadãos e o governo, ou entre um nacional e um estrangeiro. O sistema presuntivo, fruto do nacionalismo, reduziu a solução de controvérsias internacionais a uma lógica tribalista, o que foi um grave retrocesso, durante o século XIX até o final da Segunda Grande Guerra, quando o positivismo jurídico passou a ser o pensamento jurídico dominante na Europa.
Nesse período, o grande problema do nacionalismo ficou claro: ele depende da política de Estado, especialmente da política de se identificar o amigo do inimigo. Carl Schmitt, jurista dos nazistas, bem definiu essas características. Como a nacionalidade é definida por critérios étnicos, temos aí materialismo histórico. O problema do racismo e da xenofobia só pode ser explicado a partir do fenômeno do nacionalismo.
Acton explica que algumas vantagens do cosmopolitismo dos reinos medievais: povos diferentes acabavam se integrando e colaborando entre si, e as virtudes do povo mais forte melhoravam os povos mais fracos. Dessa forma esses povos agiam em pé de igualdade uns com os outros.
Durante a Idade Média, houve o renascimento comercial e o ressurgimento das cidades, como conseqüência disso, pois um dos efeitos decorrente dos direitos de propriedade está em promover a integração e a responsabilização das pessoas na praça, um dos fundamentos da liberdade: a igualdade perante à lei, em termos de direitos e obrigações, passou a ser princípio natural lógico, próprio da ordem estatuída em Estado de Direito.
No século XIX, com o nacionalismo, alguns povos se diziam superiores a outros povos. Os alemães foram peritos nisso. O racismo de Marx se explica em função desse nacionalismo.
Na década de 1980, ao tempo da queda do Muro de Berlim, John Borneman, ao estudar a divisão da sociedade alemã forjada politicamente durante a Era do Muro da ergonha, estabeleceu a diferença entre nacionidade (nação como um lar) e nacionalidade (nação como religião)
A nacionidade, pelas investigações que eu venho fazendo, decorrem da nação ser tomada como um lar, uma ordem espontânea, onde pessoas de diferentes origens cooperam umas com as outras para poderem progredir em suas vidas. A nacionidade se funda nos seguintes aspectos.
1) Comércio como uma forma de aproximação dos povos
2) A propriedade como uma forma de integração entre as pessoas e de torná-las responsáveis.
Esses fatos podem ser percebidos mais claramente durante a Baixa Idade Média, com o
renascimento urbano. Feiras como a de Champagne tenderam a ser naturalmente internacionais.
Os pesos e medidas usados, na Inglaterra, na França, e nos Países Baixos vinham dessas feiras.
Ao longo do século XX, um exemplo de Nação ser tomada com religião foi a Alemanha de Hitler, sob o nacional-socialismo.
Dos três sistemas, a nacionalidade, como uma forma de socialismo, é o mais promissor deles todos, pois o igualitarismo de Rousseau está implícito nele.
O nacionalismo, ao contrário do que se diz, não é amar a Pátria.
O nacionalista advoga a superioridade de sua Nação frente às demais, e com isso, passa a se tornar xenófobo, imperialista, etc.
Já a nacionidade constitui um outro fenômeno, no qual os povos tomam suas Pátrias como lares e querem o melhor para eles. Inclusive, tomam o comércio como algo para arrecadar lucros para seus lares e fazê-los crescer.
O nacionalista invade e toma lares alheios; já o nacionista tolera os demais lares e quer fazer crescer o que é seu, sem querer prejudicar o lar alheio.
O nacionista se baseia naquela frase do vizinho hospitaleiro: "minha casa é sua casa". Os estrangeiro que vai para outro país só quer trabalhar e se sentir bem em um lugar que ele possa chamar de lar. A terra nativa dele, devido aos ditadores, tornou-se uma porcaria, um lugar inviável de viver.
Se o estrangeiro se sente bem na nova casa, ele pode ser tomado como nacional e passa ter os mesmos direitos do nacional. A naturalização é um instrumento que não serve para nada - o que conta é as pessoas se sentirem bem, em suas casas.
Para o nacionalista, o estrangeiro representa um risco. Para o nacionista, ele representa um amigo. O amigo estrangeiro contribui através do seu trabalho para a grandeza de uma nação, inclusive ele próprio poderá atrair investimentos e novos amigos para a sua nova casa.
Enquanto o nacionista recebe o estrangeiro de portas abertas, o nacionalista o expulsa ou o discrimina.
O nacionalista é um ser tão autoritário que defende até mesmo a criminalização da imigração.
A Itália, sob Berlusconi, fez uma lei com o intuito de impedir a vinda dos imigrantes africanos, que estavam se refugiando em massa para lá.
O que Berlusconi fez é crime contra a humanidade e ele deveria ser julgado em Haia por isso. A maioria dos africanos estava fugindo das ditaduras que há naquele continente.
Se Berlusconi sofreu castigo por causa disso, provavelmente os dentes perdidos durante a agressão sofrida respondem a essa questão.
Há uma certa preocupação, para alguns europeus, de que a baixa natalidade da Europa e a imigração maciça de muçulmanos tornem a Europa muçulmana em menos de 100 anos.
Há até um documentário da BBC preocupado a desmentir isto, porém o susto dessa história é tamanho que serviu para ajudar a aumentar a natalidade na França e na Alemanha.
Só sei de uma coisa: a Itália um dia irá se arrepender desta lei e a verá como um equívoco da era Berlusconi.
O grande perigo é usar o natalismo como uma forma de nacionalismo. Mas isso comentarei em outra oportunidade.
* * *
Nos EUA, principalmente, há um movimento de defesa da língua inglesa contra a suposta ameaça hispânica.
Se os hispânicos tomam a América como o seu lar, a tendência é eles preservarem o inglês e o Espanhol. Países bilíngües são melhores do que aqueles que adotam uma língua só.
O Canadá é um país bilíngüe, mas erros na política interna do país, como forçar o
recrutamento do povo de Québec para lutar numa guerra na qual eram contra, como a Primeira Guerra Mundial, só fizeram por promover um verdadeiro racha.
Esse problema é internacional. Para ser resolvido, os países precisam colaborar uns com os outros. Mas infelizmente a ONU, hoje em dia, só tempo para fazer proselitismo ideológico e politicamente correto.
Às vezes a legislação dos países que adotam o Welfare State agrava a falha. Tanto a Itália quanto a França têm uma legislação pautada no direito de sangue. Isso significa dizer que os filhos desses refugiados não serão nem italianos ou franceses, mas apátridas. E esses apátridas vão precisar dos serviços públicos desses países pra poder se manter - e isso é um prato cheio para políticos como Jean Marie Le Pen, notório político xenófobo da França, promoverem o renascimento dessa podridão que é o fascismo e a xenofobia.
E essa é a diferença entre o que são os EUA e esses países: os EUA tornaram americanos esses imigrantes - e eles fizeram dos EUA o país que é hoje. A Itália e a França pautaram suas legislações numa época de rejeição à monarquia absolutista. Hoje os tempos mudaram - por isso essas leis precisam ser atualizadas.
Desenvolver uma nacionidade européia é a única maneira de viabilizar o sonho de uma Europa unida, tal como foi visto pelo Conde Koudenhove-Kalergi, em seu livro Pan-Europa. Uma Europa unida sob a tradição do universalismo cristão, dos principios do direito romano e na filosofia grega - o onde a abertura ao recém-chegado empreendedor e a antropofagia cultural (com o intuito de assimilar as qualidades de cada povo consitituinte dessa nova União) façam do continente uma terra de liberdade, tal qual o seu irmão mais velho, os Estados Unidos da América, o é por execelência.
A nacionidade é a base para a formação dos futuros Estados Unidos Europeus, mas esse processo deve ser feito de baixo para cima e não imposto unilateralmente por governos, como tem sido feito desde o tratado de Maastricht, em 1992.
Esse processo só se sedimentará com o tempo, e esse tempo de maturação é naturalmente longo - são necessários séculos para que uma nova ordem emerja em união sincera e indissolúvel. Há muitas feridas que precisam ser cicatrizadas, pois o continente é um barril de pólvora por natureza, palco de muitas revoluções, guerras e derramamento de sangue (inocente em muitos casos)
A fundação de uma nova ordem civilizada pautada na nacionidade constituirá, pois, a próxima etapa, o ponto de partida para um novo estágio de progresso civilizatório na humanidade.
Precisamos estudar suas causas, com o intuito de promover a integração entre os povos.
Agindo assim, o jurista será um médico: previnirá o mal e deixará as feridas se cicatrizarem sozinhas, com o auxílio de remédios que coíbam o mal em vez de agravá-lo. Nesse ponto, o jurista deve ser um defensor público, não um chancelador de despotismos políticos, advindo de populistas que fazem do mau caratismo e da mentira um estilo de vida ou um caminho para a tomada do poder.
Esses são os pontos que devemos considerar.